Crítica


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Sinopse

O jornalista Jack Jackson investiga as alegações de um antigo agente da lei sobre uma possível conspiração da polícia de Los Angeles para o assassinato do rapper The Notorious B.I.G.

Crítica

Há dois personagens principais em Cidade de Mentiras e a superficialidade de ambos depõe fundamentalmente contra a densidade do resultado. Um deles é Russell Poole (Johnny Depp), policial afastado do ofício e desgraçado pelo caso que ainda engatilha sua obsessão. Ele é herdeiro da vasta e fértil tradição dos homens da lei arruinados por perseguir a verdade, logo indo na contramão de um entorno dado às vistas grossas e à corrupção. O outro é Jack Jackson (Forest Whitaker), jornalista assombrado pelo mesmo caso supostamente insolúvel. Semelhante a do parceiro, sua tragédia é buscar incessantemente a resolução que muitos desejam inexistente. Jack é igualmente filiado a uma longa lista de sujeitos da imprensa que correm atrás do certo, doa a quem doer. Portanto, são dois idealizados a partir do cumprimento reto e sem desvios das funções, nem que isso signifique sacrificar a própria unidade familiar ou a integridade de suas carreiras. Uma pena que ambos valham estritamente o quanto carregam dos arquétipos, sem maiores aprofundamentos.

Cidade de Mentiras, então, tem um duplo protagonismo coxo. Ainda que Johnny Depp e Forest Whitaker deem conta do recado com seus parcos espaços de manobra, Russell e Jack viram peças quase ocas (baseadas em pessoas reais) do quebra-cabeças esmiuçado pelo roteiro a cargo de Christian Contreras com base num livro de não ficção assinado por Randall Sullivan. O ex-policial é visto acompanhando, solitário, os jogos de beisebol do filho, apartado da família. Um par de diálogos menciona o afastamento dos seus como efeito colateral da fixação no caso que envolve os assassinatos dos célebres Tupac Shakur e Notorius B.I.G., sendo algo insuficiente para conferir densidade ao paladino. Já Jack, também em dois ou três instantes, é pego num monólogo interior referindo-se a um prêmio recebido no passado como incapaz de aplacar suas inquietações basilares. O cineasta Brad Furman constantemente coloca um explicando pormenorizadamente ao outro – e, por conseguinte, ao espectador – as minúcias do caso complexo. É tudo bem mastigadinho e determinado.

Aparentemente, uma das premissas da direção é não deixar dúvidas, fomentar hesitações e afins, mas tornar o papel de cada um, bem como o contexto social, o mais inequívoco possível. Uma lástima, portanto, que o realizador tenha delineado (superficialmente) os personagens centrais com base nas tradições que remontam (inclusive) ao filme noir, mas não beba na mesma fonte quanto às possíveis ambiguidades em curso, levando em consideração que há tantos interesses potencialmente escusos em jogo. Ainda que saiba segurar a expectativa, ancorado no desempenho convincente de seus dois atores principais, ele demonstra mais preocupação com certos e errados estipulados do que necessariamente com elementos que poderiam, inclusive, colocar certos postulados em xeque. O filme repetidamente reporta eventos factuais, tais como os supracitados crimes envolvendo celebridades antagônicas do mundo do hip hop, e os proporcionalmente midiatizados casos Rodney King e O. J. Simpson. É justamente ao entremear tudo isso que Cidade de Mentiras apresenta uma fragilidade subliminar passível de ser lida como inabilidade motriz de um anacronismo.

Embora termine com a constatação aterradora de que a maioria dos homicídios de jovens afro-americanos não é solucionado nos Estados Unidos, o longa passa em vários instantes perto de culpar a revolta popular dos negros residentes no país pelo engessamento da lei. Russell encontra obstáculos para investigar a corrupção de policiais negros em virtude do medo dos superiores com a indisposição pública pós-Rodney King. O caso O.J. Simpson também é citado como indicativo de que as pautas raciais poderão ser utilizadas para encobrir os verdadeiros culpados. O personagem de Johnny Depp é regularmente impedido por essa situação instaurada após a indignação popular com a brutalidade de policiais brancos. Porém, Brad Furman é incapaz de trabalhar complexidades e as possíveis contradições desse turbilhão, deixando o filme a mercê de uma hierarquia moral a partir da qual o cara branco disposto a sacrificar-se para fazer o certo (uma maçã boa no meio das podres) é obstruído pelo ambiente favorável às reivindicações do povo negro. Isso sem contar o acúmulo de policiais não brancos envolvidos na contravenção, novamente, combatidos pelo homem alvo com porte de herói trágico.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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