Crítica

A incursão nazista pelo norte da África durante a Segunda Guerra Mundial não é uma das passagens mais lembradas pela sétima arte, ela que explorou bastante os diversos confrontos dessa fatia da história. Operação Valquíria (2008), de Bryan Singer, por exemplo, usa o desfecho do episódio apenas como estopim para sua própria trama. Porém, em 1943, os fatos ainda eram muito próximos, os traumas não eram frutos de um passado remoto, e sim de uma dura realidade ainda presente. Tal e qual o recente A Hora Mais Escura (2012), o terceiro filme de Billy Wilder na direção – segundo como roteirista – aproveita-se da vitória ainda fresca, em meio a um confronto inacabado, para explorar tensão, estratégia e humanismo. A diferença reside apenas na abordagem, aqui fruto da sagacidade e do humor de um realizador que mais adiante realizou O Pecado Mora ao Lado (1955), Quanto Mais Quente Melhor (1959) e Se Meu Apartamento Falasse (1960), entre outros.

Fugindo de tropas alemãs no deserto, o oficial inglês Bramble (Franchot Tone), a fim de se esconder, acaba assumindo o papel de mordomo em um luxuoso hotel em ruínas, onde seus perseguidores não tardam a se hospedar. Acontece que Davos, o real servente do lugar, que morrera na noite anterior à sua chegada, era um espião germânico aguardando as tais tropas para lhes passar informações, o que faz com que Bramble, em seu lugar, tenha de se virar como um agente triplo. Isso tudo enquanto tenta deixar a determinada camareira Mouche (Anne Baxter) longe dos soldados inimigos, pois ela pretende barganhar a qualquer custo a soltura do irmão feito prisioneiro na França, mesmo que este custo seja a delação do protagonista, que, por sua vez, não pretende escapar sem as informações necessárias para vencer a guerra.

Rommel foi, na vida real, um dos maiores “vilões” nazistas e com certeza o principal estrategista sob o comando de Hitler. Claro que, sofrendo pela proximidade cronológica dos fatos, o filme acaba retratando o Marechal como um típico algoz megalomaníaco, frio e cruel, um tipo que ao menos é vivido com intensidade por Erich Von Stroheim, cuja sinistra expressão seria reaproveitada por Wilder mais tarde em Crepúsculo dos Deuses (1950). Enquanto isso, Tone encarna divertidamente o mancar de seu personagem Davos, desatando em uma eloquência perspicaz e paralelamente dissimulada, que só é equiparada em cativo pela do gerente do hotel, Farid (Akim Tamiroff), ele que, lá pelas tantas, fala num sarcasmo indulgente: “Não tem mais banheiro, está tudo destruído belo bombardeio, aqueles que seus aviões fizeram, os seus lindos aviões, belíssimos, sim senhor”.

Aliás, é interessante que Wilder reúna como protagonistas um inglês, uma francesa e um egípcio, todos representantes de países que naquela época eram as principais vítimas do nazismo. E os nazistas são, por sua vez, cem por cento dos antagonistas, o que, visto dos dias de hoje, representa com clareza a visão que o mundo ocidental tinha da Guerra, ou seja, todos os demais (ou quase todos) contra Hitler. Não à toa, o único entre os três a falecer é aquele que representa a nação sobre a qual o Führer teve alguma vitória. É, portanto, um olhar que hoje soa bastante datado acerca de um evento que, na época, ainda se desenrolava. Olhando de longe é possível identificar pontos cegos, bem como uma característica incisiva. Contudo, tendo em vista o contexto da concepção, o filme é até bastante sensato.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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