Crítica
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Sinopse
Em imagens de arquivo, diretores e atores falam sobre o cinema brasileiro dos anos 1960. Sem a proposta de definir o movimento ou estudá-lo, o documentário relembra ideias e conceitos do Cinema Novo.
Crítica
O júri que premiou Cinema Novo com o troféu Olho de Ouro, dedicado ao melhor documentário exibido no Festival de Cannes de 2016, justificou sua escolha dizendo que o longa era um “um filme-manifesto sobre a vigência de um movimento cinematográfico quase esquecido dos anos 1960”. Sucintas e muito corretas as palavras dos jurados ecoam ao assistir ao trabalho de Eryk Rocha. Esse capítulo importantíssimo da cinematografia brasileira é, por muitas vezes, mais evocado pelos estrangeiros do que por nós mesmos. Vale sempre lembrar que a crítica gaúcha da época, por exemplo, fez pouco caso das realizações dos “cinemanovistas”.
Se de um lado haviam os que desdenhavam, de outro tinha quem incentivava esta ebulição inspirada em movimentos como a Nouvelle Vague francesa e o Neorrealismo italiano. Ely Azeredo foi o crítico carioca que acompanhou, conectou e legitimou o grupo de realizadores, os batizando como “Cinema Novo”, que incendiou a produção cinematográfica brasileira a partir da década de 1960. Essa nova onda, que rompia com a linguagem e produção convencionais, trazia nomes como Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Rogério Sganzerla, Roberto Santos, Ruy Guerra e Glauber Rocha, além de outros tantos. O grupo se revezava em diferentes funções entre as produções de cada um e expandia a forma como se poderia enxergar a atividade no país. Não era apenas o filme, mas também a importância da crítica, do cineclubismo, da acessibilidade ao nosso próprio cinema e, é claro, um viés que representava questões sociais, culturais e políticas. Esse período de cineastas profícuos colocou as realizações nacionais na boca do povo e os levou ao destaque internacional. Mexeu com os cineastas acomodados e quadrados. Filho de Glauber, o realizador Eryk Rocha, que está bem longe de viver à sombra do pai depois de realizar preciosidades como Campo de Jogo (2014) e Transeunte (2010), revisita esses aspectos e características do processo artístico em seu documentário como uma bela homenagem.
Dentre uma centena de filmes “cinemanovistas” que integram o produção através de pequenos trechos, Rocha constrói um relato denso e poético se valendo da memória cinematográfica de quem os assiste. Os trechos das obras, muito bem editadas nos enxutos 90 minutos de projeção, não são identificados com legendas e deixam o público livre para uma experiência quase sensorial e impactante. São colocados lado a lado filmes como Rio 40 Graus (1955), Barravento (1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), A Falecida (1965), Terra em Transe (1967), Macunaíma (1969), São Bernardo (1972) e tantas outras dezenas de realizações. É criada uma colagem de trechos tanto dos filmes como dos depoimentos realizados em vídeo e áudio, muitos até resgatados de arquivo. Rocha realiza um documentário que pulsa, com um ritmo acelerado e apaixonante que reflete muito bem como era o seu objeto, o Cinema Novo.
Para o público comum, que pouco teve contato ou conhecimento sobre esse momento da cinematografia brasileira, o resultado pode causar certo estranhamento por não usar de um formato clássico de documentário, mas mesmo assim serve de porta de entrada para que se descubra mais a respeito e instigue o espectador. Cinema Novo é uma verdadeira masterclass sobre o movimento e seus personagens (diretores, distribuidores, críticos, entre outros) e o processo de criação deles. Ao assisti-lo, faz lembrar da importância do cinema como arma política e social, algo necessário no cenário atual. Seu registro busca uma munição maior: a memória. Mas nunca cai em uma nostalgia ou tom dramático simplório. É maduro e autocrítico ao mostrar, ao mesmo tempo, algumas contradições e a profunda riqueza do cinema realizado há mais de 50 anos atrás. Sua vitória em Cannes não é surpresa alguma. Uma triste percepção, no entanto, é constatar que esse capítulo tão importante da nossa história continue, muitas vezes, ainda quase esquecido ou ignorado pelo público brasileiro.
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