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Crítica


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Sinopse

​Narrado em primeira pessoa, o documentário revisita a trajetória da cantora Clara Nunes, que conquistou o Brasil e vários países do mundo. Revela um pouco mais dessa personagem que, mesmo passados mais de 30 anos de sua morte, permanece em lugar de destaque na história da música popular brasileira.​

Crítica

De cara, a característica que chama atenção em Clara Estrela, documentário sobre a cantora Clara Nunes, é a opção pela narração em primeira pessoa. Ao refutar a inserção de entrevistas, valendo-se apenas de áudios e vídeos originais, bem como da voz em off da atriz Dira Paes reproduzindo trechos de entrevistas concedidas pela falecida artista à mídia impressa,  os diretores Susanna Lira e Rodrigo Alzuguir demonstram coragem diante da limitação. O relato, portanto, tenta ser o mais íntimo possível, utilizando desde rememorações da juventude passada na cidade mineira de Paraopeba à análise do amplo reconhecimento do público. Transcorrendo em linha cronológica praticamente reta, o longa-metragem busca se apropriar das palavras de Clara para, num processo curioso, apesar de simples, refletir acerca de sua representatividade, tanto ao cenário musical quanto à esfera social, por conta de seu estilo.

O maior problema de Clara Estrela é realmente o roteiro. Não faltam materiais de arquivo, entrevistas reveladoras da personalidade de Clara Nunes, fotografias de parcerias importantes, ou seja, as ferramentas à disposição são ricas e relativamente vastas. Todavia, o alinhave dos elementos é frouxo, com pouco tempo disponível ao pleno desenvolvimento dos vieses apresentados. Há uma pressa flagrante para enfileirar episódios capitais da vida de Clara. Tal sucessão trôpega não consegue, por exemplo, dimensionar o valor da cinebiografada à música popular brasileira. Semelhante afobação se vê nos números musicais, respiros pontuais em meio ao ritmo acelerado dos demais apontamentos. É como se fosse necessário oxigenar o conjunto, então consideravelmente debilitado, com as performances icônicas de Clara, um óbvio porto seguro. O filme se ressente da falta de uma urdidura mais consistente.

Somente no início e no encerramento do longa-metragem, Susanna Lira e Rodrigo Alzuguir se dispõem a criar imagens próprias para trazer à tona mais abertamente uma dinâmica poética. No mais, eles lançam mão de um processo de organização de imagens e sons preexistentes, deflagrando a riqueza da pesquisa da trajetória da protagonista. Um dos únicos aspectos dos quais os diretores ensaiam aproximar-se com mais de atenção, destacando-o ligeiramente dos demais, é o estilo singular de Clara Nunes, a relação com as religiões de matriz africana. Ainda assim, não há mergulhos profundos ou algo que o valha. Clara Estrela toca de maneira excessivamente rápida nos ângulos mais destacáveis da carreira da cantora, sem preocupar-se com reverberações ou em amplificar quaisquer dinâmicas mencionadas. Em parte, isso pode ser explicado pelas diversas restrições decorrentes da abordagem norteadora adotada.

O que sobressai em Clara Estrela é a extensa pesquisa, as múltiplas fontes consultadas. Há, porém, uma dificuldade evidente de transcender a mera observação. O contato que temos com a protagonista, a partir deste filme, é intenso, mas ligeiro e resumido demasiadamente. Passamos batido por alguns capítulos da biografia da cantora, como a sua infância, apenas trazida à tona por lembranças bastante genéricas da liberdade no interior de Minas Gerais. Os excertos das apresentações musicais carecem de vigor, soando na tela mais como interlúdios obrigatórios. O casamento com o compositor Paulo Cesar Pinheiro é mencionado, devidamente registrado com fotografias, mas não fornece chaves para a vida pessoal de Clara Nunes, o que igualmente enfraquece a proposta do documentário. Cabe-nos unicamente contemplar a voz e a originalidade da cantora, já que o filme não nos permite ir muito além.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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