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Crítica


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Sinopse

Nos anos 1990, um grupo de dançarinos urbanos se reúne em um internato isolado, localizado no coração de uma floresta, para um importante ensaio. Ao fazerem uma última festa de comemoração, notam a atmosfera mudando e percebem que foram drogados quando uma estranha loucura toma conta deles. Sem saberem o porquê ou por quem, mergulham num turbilhão de paranoia e psicose. Enquanto para uns parece o paraíso, para outros soa como uma descida ao inferno.

Crítica

Clímax, novo filme de Gaspar Noé, desenha um trajeto espiralado rumo ao caos, com desentendimentos se intensificando até ocasionar um pandemônio. Baseado em fatos, o cineasta, conhecido por sua verve provocativa e intensa, parte de uma fase de apresentação travestida de entrevistas. Bailarinos de diversas nacionalidades falam acerca de suas perspectivas quanto à dança, destrinchando motivos que os levaram a se candidatar àquele espetáculo. Tendo em vista o que acontece depois, o momento inicial se torna essencial, pois encarregado de fornecer ao espectador um contexto, de consolidar o básico concernente a cada personagem que, no decorrer do longa-metragem, será inadvertidamente atravessado pela agressividade numa ocasião que sai do controle. O prelúdio é festivo, uma verdadeira ode repleta de sensualidade e movimento, sobretudo o das pessoas que dançam, primeiro, a coreografia basilar do número, e, segundo, de acordo com a batida incessante que inebria e turva o racional, convidando a uma libertação catártica do corpo dos ditames sociais.

É sobressalente o virtuosismo da câmera de Noé, a forma como ela se integra ao deslocamento dos dançarinos que parecem apenas preocupados com a curtição do momento. O instrumento de registro se torna, de certa maneira, personagem, partícipe ativo da ação, pois não se restringe a observá-la, concomitantemente desenhando o percurso e nele circunscrevendo ações e reações cada vez mais selvagens. Selva (Sofia Boutella), de determinado ponto em diante, é tida como uma espécie de guia por esse espaço rapidamente transmutado num local de desvarios e hedonismo aditivado de agressividade. Clímax dá uma guinada drástica quando se percebe tardiamente que houve sabotagem na sangria. Alguém coloca LSD na beberagem e o efeito da droga faz com que questões até então restritas ao íntimo transbordem numa onda de violências físicas e psicológicas. A antes ocasião alegre se torna convidativa à tragédia. É possível extrair disso uma leitura alegórica da França.

Embora em momento nenhum Gaspar Noé incite frontalmente a discussão acerca da polêmica questão migratória, tópico controverso no território Francês, é sintomático o multiculturalismo em cena e, ademais, a impossibilidade de convivência harmoniosa quando as máscaras caem, tão logo as travas sociais percam terreno para a animalidade inconsequente que expressa o âmago da gente. Diferentemente de Love (2015), em que o explícito dita as regras da encenação, em Clímax há relativamente poucos momentos em que a bestialidade é apresentada crua e diretamente. Todavia, isso não significa que o filme seja menos agressivo, transgressor, como quando deliberadamente telegrafa um evento futuro envolvendo a única criança presente e um perigoso quadro de energia elétrica. A exasperação, dessa forma, é alimentada pelo entorno em desabalada e irrefreável convulsão, com o suspense por conta do inevitável crescendo à medida que tudo descamba.

Semelhante a boa parte dos longas anteriores de Gaspar Noé, Clímax extrai uma fração significativa de sua potência da maneira como tudo é observado, continuamente, de ângulos enviesados, com um perceptível interesse pela obscuridade humana. Desta vez o cineasta investe numa situação aparentemente banal, ou seja, mira uma festa que não deu certo em virtude de um crescendo de hostilidades e demais questões fragilmente recônditas que irrompem cruelmente. O corpo, outrora templo de celebração – e, antes de tudo degringolar, há instantes belíssimos de dança –, se torna um emanante de destruição, com constantes vilipêndios se instaurando para estabelecer uma atmosfera de desmantelamento. Os olhares oblíquos são substituídos pelas vias de fato, as picuinhas ganham ares de embate fatal e o galpão, antes tido na conta de fértil recinto de criação artística, ou seja, de vida, passa a ser um inferno simbólico propício à morte e às aniquilações.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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