Sinopse
Leo e Remi são dois garotos na casa dos 13 anos de idade que têm a sua amizade repentinamente interrompida. Para compreender o que aconteceu, Leo se aproxima da mãe de Remi.
Crítica
Alguns cineastas se lançam na árdua tarefa de filmar o intangível. O belga Lukas Dhont encara essa missão complexa em Close. Seria redutor afirmar que o longa tem como assunto principal o luto, pois há outros sentimentos e percepções nessa história que começa desenhando a beleza da amizade. Diga-se de passagem: uma amizade que tende a despertar sensações de nostalgia e/ou admiração nos espectadores. O realizador não demonstra interesse no aspecto superficial das coisas, algo evidente pela natureza evocativa de sua mise-en-scène sempre em busca de algo difícil de definir em palavras. Quando vemos os amigos Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) correndo alegremente por um campo de flores, a ideia da cena é representar a liberdade de um vínculo essencial a ambos os garotos. Quando os observamos deitados próximos ou mesmo se recostando calmamente no corpo um do outro, a missão cumprida é conferir algum tipo de materialidade ao afeto que prevalece quando eles estão juntos. Adiante, é na hesitação materna que vemos prenunciada a imensa tristeza que transbordará dos olhos de um menino lutando contra a própria incredulidade diante da morte. Léo é o porto seguro de Rémi e vice-versa. E isso não é pronunciado por ninguém, mas representado cinematograficamente com muita sensibilidade por um diretor que acredita na poesia de gestos que significam as sensações.
Distante de uma tradição latina, em que as questões são muito debatidas e o melodrama tende a ser utilizado como moldura para rompantes viscerais, o fator cultural de Close é refletido nos silêncios e nas repressões para evitar certas exposições de intimidade. Em nenhum instante do longa-metragem escolhido pela Bélgica para representa-la no Oscar 2023 os pais ou professores problematizam a intimidade dos garotos. Apenas na escola a crueldade infantojuvenil permite a alguém insinuar que eles formam um casal romântico, fofoca que não se torna um fardo para Rémi, ao contrário do efeito no suscetível Léo. Este protagonista perseguido pela câmera atenta aos seus mínimos movimentos sente o peso da maledicência e começa a se afastar do amigo. Esse processo de separação também se dá nos detalhes, sem a previsão de tomadas de satisfação ou demonstrações efusivas de descontentamento. Para assinalar a violência quase sorrateira do distanciamento que terá consequências drásticas, Lukas Dhont refaz o percurso inicial, mas enfatizando exatamente a distância. Léo não mais aceita de bom grado dormir na cama de Rémi, tampouco fica colado com ele na hora da recreação escolar. Além disso, prefere se deslocar sozinho ao largo do antes compartilhado caminho das flores. De certo modo, Léo vai abandonando o amigo em virtude da dificuldade para lidar com seus sentimentos mais íntimos.
Dessa perspectiva do abandono, Léo não é um personagem correto. Mas, afinal de contas, quem está integralmente livre de agir errado com alguém querido? O roteiro assinado por Lukas Dhont e Angelo Tijssens não contempla jornadas redentoras rumo à absolvição. Talvez se estivéssemos diante de um filme mais convencional, o itinerário desse protagonista mirim contemplaria a culpa como estágio intermediário do amadurecimento oriundo da dor. Não é necessariamente o que acontece em Close, filme que ensaia várias jogadas manjadas, mas que permanece fiel à representação de aspectos intangíveis e sensações menos complexas se reduzidas a palavras. Tanto que, ao ser questionado constantemente “como você está?”, Léo ora despista seu interlocutor, ora dá uma resposta evasiva. Realmente, essa réplica oral pouco importa, pois o que ele experimenta nesses momentos em que a pergunta o relembra da tragédia está nos gestos, nas palavras vacilantes que tentam dar significado ao que não pode ser elaborado sem equívocos. Lukas Dhont cumpre a tarefa de capturar os instantes em que o imaterial se manifesta, de representar elementos intangíveis como saudade, culpa, vergonha, paixão, medo, dúvida, interesse, felicidade e a mais profunda tristeza. Impressões estas universais, ou seja, com as quais facilmente nos identificamos, mas que têm preservado algo de único e revelador.
Close não seria tão emocionalmente envolvente e impactante sem a interpretação magistral do pequeno Eden Dambrine no seu primeiro papel de destaque no cinema. Há uma simbiose entre a câmera interessada e o ator dotado de recursos. Sem essa simbiose, o filme perderia grande parte da capacidade de mobilizar o espectador. Do que adiantaria o cineasta desejar reter o intangível, se o corpo do ator não se transformasse num meio potente e rico em expressividade? Eden Dambrine é um daqueles prodígios com um futuro promissor pela frente. O jovem ator demonstra aquela capacidade rara de criar um personagem que tenta camuflar os seus sentimentos, “desmascarado” pela atenção da câmera àquilo que os demais personagens deixam passar. De certo modo, Lukas Dhont utiliza o dispositivo como agente deflagrador, mas não no sentido sensacionalista de denunciar o que o menino quer esconder do mundo a fim de se proteger. O cineasta faz da linguagem cinematográfica um conjunto de códigos por meio dos quais se aproxima gentilmente de alguém ferido, logo depois confiando ao espectador a missão de preservar essa intimidade à qual recebeu um acesso privilegiado. O saldo é a geração da empatia. Desejamos a felicidade de Léo, mas não recebemos como bálsamo a promessa de que isso se dará pela superação da culpa. Ele terá de elaborar esse e outros sentimentos para viver.
Filme visto no Festival do Rio em outubro de 2022
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Filme leve lindo solto!!! O amor em sua mais verdadeira verdade!!!
Filme absolutamente devastador, de pouquíssimas palavras, mas olhares que cravam como punhais. Difícil assisti-lo sem sentir-se incomodado com a dor dos meninos. Parece doer dentro de nós.
muito boa a sua resenha, Marcelo. precisa e generosa, com o filme e com o público, para quem a experiência é, de forma geral, catártica.