Crítica
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Sinopse
Maria Enders é uma famosa atriz que fica perturbada com o fato de que JoAnn, jovem estrela de Hollywood, irá interpretar o papel que a fez famosa há vinte anos. Convidada a dividir o palco com a novata, Enders viaja até os Alpes para ensaiar e conta com o apoio de sua assistente no confrontamento com a representação de seu passado.
Crítica
Há uma curiosa formação climática na região de Sils Maria, nos alpes suíços, conhecida como a Serpente de Maloja. As nuvens vão, aos poucos, no começo da manhã, serpenteando o vale e cobrindo-o quase que por inteiro, num processo tão belo quanto terrível. Sim, pois uma vez completo, o que o segue são chuvas e mais intempéries. Mais ou menos como o desenrolar da trama de Acima das Nuvens, um filme que começa devagar, lentamente vai mostrando suas verdadeiras armas e, após um desenrolar difícil e gratificante, deixa no espectador efeitos tão intensos quanto devastadores. Porém da melhor forma possível, é preciso ressaltar.
Maria Enders (Juliette Binoche, excelente como sempre) é uma atriz consagrada à caminho de Zurique para participar de uma homenagem em nome de Wilhelm Melchior (Valery Bukreev), homem responsável pelo início de sua carreira artística. Foi ele quem primeiro a descobriu, quando tinha apenas 19 anos, lhe oferecendo um papel que ficaria para sempre marcado em sua trajetória: Sigrid, a jovem estagiária que acaba seduzindo a diretora do escritório onde trabalha, causando sua desgraça uma vez que essa se apaixona por ela. Porém, ainda no trem rumo ao evento, a estrela recebe a notícia da morte do antigo mentor, vítima de um ataque cardíaco. O que seria uma comemoração se torna uma cerimônia fúnebre, respeitosa, porém longe da festividade planejada.
Nesta mesma ocasião, no entanto, Maria recebe o convite que irá definir seus próximos meses: interpretar Helena – a mulher cuja vida é destruída após o início da relação com Sigrid – em uma nova releitura da peça. Os anos se passaram, e agora ela possui não só idade, como, supostamente, também a maturidade para assumir o contraponto da personagem que lhe é tão cara. No entanto, as coisas não são tão simples. Seu instinto natural não lhe permite abrir mão de algo que lhe proporcionou tanto com o passar dos anos, ainda mais para (1) o estrelato fútil de uma jovem estrela inconsequente e (2) para dar vida à pessoa pela qual sempre nutriu desprezo ou, na melhor das hipóteses, descaso.
Ainda que, pela conjunção dos fatores que vão sendo apresentados, ela acabe aceitando a proposta, Acima das Nuvens perde pouco tempo neste prólogo ou mesmo na efetiva concretização do espetáculo. O cerne da questão aqui está no durante, no processo que levará a protagonista de um ponto a outro. E isso se dá justamente em Sils Maria, na casa do falecido Wilhelm, onde Maria se refugia com sua assistente pessoal, Valentine (Kristen Stewart, surpreendente), para uma releitura do texto, ensaios e preparo para o novo desafio. O melhor do filme está, portanto, na relação que, a partir deste ponto, se estabelece entre as duas.
Binoche é um fenômeno, se movendo de uma emoção a outra como quem passa do quarto para a sala, saindo de Maria para Helena sem nunca deixar de ser Sigrid, revelando aos olhares mais atentos o quanto da antiga personagem ainda guarda consigo e sua dificuldade em abraçar todas as mudanças exigidas. Mas ainda mais espantosa é a naturalidade com quem Stewart assume seu papel, deixando pouco para as plateias mais levianas lembrarem dos seus anos em Crepúsculo (felizmente!). As duas são patroa e empregada, amigas, colegas, mãe e filha e, em última instância, reflexo da ficção que a própria ficção não se dá conta de abranger por completo.
Terceiro nome de destaque do elenco, Chloe Grace Moretz pouco faz em cena. Talvez sua última cena, ao lado de Binoche e já no palco, pouco antes da estreia, seja seu melhor momento. Mas é difícil permanecer atento à ela após o embate que se dá entre as duas protagonistas. O desfecho de Stewart, por exemplo, é tão genial quanto autoexplicativo. E assim, Olivier Assayas faz de Acima das Nuvens um dos grandes filmes de 2014, uma obra densa que permite diversos níveis de leitura, dependendo apenas do interesse e da dedicação do espectador. Independente da forma como se decidir encará-la, no entanto, o resultado será inevitavelmente mais do que satisfatório, revelando-se tão único quanto impressionante, permanecendo e complementando-se com o olhar daquele que decidir não só embarcar nessa jornada, mas também fazer dela um processo revelador e bastante pessoal.
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