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Sinopse

Ao longo de uma década, um motoclube do meio-oeste dos EUA deixa de ser ponto de encontro para desajustados locais e se transforma em um lugar sinistro. Ameaçando o modo de vida do grupo original, os novatos se envolvem com todo o tipo de crime.

Crítica

“Todos desejam fazer parte de algo”, diz a personagem de Jodie Comer a certa altura de Clube dos Vândalos. Ela se refere especificamente aos membros de um clube de motociclistas liderado por Johnny (Tom Hardy) e frequentado por seu marido, Benny (Austin Butler). O longa livremente inspirado em The Bikeriders, livro de Danny Lyon sobre o Chicago Outlaws Motorcycle Club, se passa entre o fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970, época conturbada nos Estados Unidos. Com a ascensão da contracultura, do estilo hippie da chamada “América Vulgar”, a denominada “América Puritana” viu seus valores colocados em xeque por uma juventude raivosa – fruto das diferenças geracionais, da intromissão norte-americana no Vietnã, das tensões decorrentes do aumento do clamor por direitos civis universais, etc. Curiosamente, o roteirista e diretor Jeff Nichols opta por não capturar esse espírito da época, quando muito sinalizando, na breve cena da feira de automóveis, a distância simbólica entre as motos (ícones da rebeldia contracultural) e os carros (avatares do país conservador). Dito isso, interessante que seja feminino o olhar primordial sobre essa realidade masculina. Entrevistada, Kathy (Comer) dá a sua versão dos fatos sobre o clube e seus membros. No fim das contas, essa perspectiva revela mais do que as proezas de um grupo de motoqueiros, mas a necessidade deles de integrar uma comunidade fraterna.

Há pelo menos três protagonistas em Clube dos Vândalos. Kathy, a narradora, é o elemento com entrada privilegiada nos encontros, aquela que observa com certo distanciamento os discursos os homens que transitam pelos Estados Unidos impondo cada vez mais a suas presenças como algo potencialmente hostil. Johnny é o “pai”, o criador do Vândalos, um líder de família como qualquer outro que, fascinado pelo brilho da aura cintilante de Marlon Brando em O Selvagem (1953), decide liderar ele próprio uma turma de homens com semelhantes necessidades de identificação. Johnny certamente gosta de ser admirado e temido, mas está mais para um sujeito desempenhando apaixonadamente o papel de motoqueiro selvagem do que para alguém vivendo aquilo como se fosse parte fundamental de sua existência. Por isso a admiração (e amor) por Benny, a personificação do ideal brandoniano que o impulsionou a criar o Vândalos. Repare que os demais membros do clube citam rotinas pessoais paralelas ao exercício do estilo livre de vida em duas rodas. Enquanto isso, Benny está sempre mergulhado no clube, fora dele sendo uma completa incógnita. Tanto que arrasta a esposa para integrar esse universo no qual se sente pertencente. Já Johnny venera Benny porque ele é a encarnação do ícone, entre os motoqueiros aquele que chega próximo de ser tudo que os demais representam como se atuassem em papeis.

Na essência, Jeff Nichols está falando de ícones e emblemas em Clube dos Vândalos, talvez por isso renegue o contexto histórico e todas as implicações do embate factual entre as Américas vulgar e puritana anteriormente mencionado neste texto. Austin Butler é fotografado como uma entidade maior que a vida, principalmente porque evoca por meio de seu comportamento marrento as presenças atualmente lendárias de Marlon Brando e James Dean. O resultado quase trágico de uma briga na qual esse integrante da juventude transviada prova ser fiel aos seus princípios é encarado como possível fim da linha, pois a única coisa que realmente dá significado à sua existência é o exercício do motociclismo “promíscuo” – utilizando aqui a definição de um coadjuvante sobre o clube. Às vezes o roteiro esbarra num didatismo improdutivo, sobretudo ao aproveitar a entrevista para “mastigar” informações e interpretações ao espectador. E nem sempre é bem-sucedido no processo de alternância dos protagonistas – ao se focar em Benny deixa Johnny em segundo plano e vice-versa. Mesmo assim, o longa-metragem arma um cenário instigante para falar dos modelos reproduzidos por homens sem perspectiva e encaixe no mundo orientado pelo capitalismo. E a prioridade da abordagem cabe sempre às dimensões fraterna e mítica de andar sem lenço e documento, com cara de mau, a bordo de uma motoca envenenada.

Jeff Nichols aborda uma masculinidade fragilizada em busca de referenciais simbólicos, como quem se agarra a um bote salva-vidas ao acelerar. Em Clube dos Vândalos, os homens transpõem limites para não perder a autenticidade dos personagens interpretados em busca do remédio contra a mediocridade. Tanto que muitos depoimentos de membros falam de dissabores com trabalho, família, expectativas sociais, enfim, tudo o que os indivíduos deixam para trás ao colocar jaquetas estilosas e transitar em bando fazendo barulho. Eles manifestam hostilidade para garantir destaque nesse mundo tendencioso a valorizar os briguentos que se impõem pela força. Infelizmente, o realizador não mergulha tanto na psicologia desses sujeitos e tampouco instiga o aspecto melancólico presente na necessidade de pertencer à horda com aura agressiva. Além disso, Nichols perde um pouco de vista a força poética de Benny quando observa mais de perto a liderança gradualmente hesitante de Johnny, logo depois negligenciado Johnny ao tentar recuperar esse protagonismo adormecido de Benny. Em meio a isso, o olhar de Kathy vai se tornando meramente utilitário, pois serve para revelar tudo o que aconteceu no passado, sem deixar dúvidas sobre a sua confiabilidade como narradora, por exemplo. E ela tampouco oferece perspectivas notadamente femininas sobre o universo masculino no qual os veteranos entram em declínio quando a nova geração reivindica agir conforme gangue, não enquanto fraternidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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