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Crítica


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Sinopse

Depois de conseguir emprego numa escola de elite, Novak estabelece um forte vínculo com os alunos, posteriormente introduzindo no currículo uma aula de nutrição baseada num conceito inovador que prega uma revolução nos hábitos alimentares na escola.

Crítica

Clube Zero se passa num ambiente escolar social e economicamente privilegiado. Nele, filhos de uma classe endinheirada são seduzidos pelo discurso manipulador da orientadora nutricional Novak (Mia Wasikowska). A nova figura de autoridade, à qual garotos e garotas se apegam por conta das fragilidades dos seus laços familiares, fala de conscientização na área alimentar. Ela prega contra as inúmeras imposições capitalistas e desestimula o consumo, alertando sobre benefícios, responsabilidades individuais e o impacto ambiental das práticas humanas. Portanto, Novak fala coisas importantes, urgentes e “antenadas”. Mas, ela deforma essas pautas positivas para todas caberem na agenda baseada numa marginalização da comida e do significado de comer. Aliás, a perversão das reivindicações progressistas em prol de uma ideologia marcada por distorções é o aspecto subentendido mais desperdiçado pela diretora Jessica Hausner. A realizadora não estimula o espectador com a noção de que a doutrina avessa à alimentação é uma colcha de retalhos retóricos costuradas com as linhas do fanatismo religioso. Como essa, várias discussões são reduzidas a sentenças pseudo-epifânicas, as mesmas que colam facilmente nos jovens em busca de causas nobres pelas quais lutar. O painel geral tem pontos de entrada a debates interessantes, mas a crítica é enfraquecida nesse panorama esvaziado sobre a galera.

Jessica Hausner simplifica demais as situações em Clube Zero. Fazendo uso de uma psicologia selvagem rasa como um pires, a realizadora atribui a fragilidade emocional e existencial dos filhos diretamente às carências paternas e maternas. Enquanto os adolescentes estão cativados pelo discurso motivacional e positivo de Novak, seus pais são percebidos como membros de uma elite afetivamente estéril e presa aos dogmas de uma sociedade de aparências. Novamente, falando assim parece que o filme retira os esparadrapos de feridas sociais significativas, assim deixando expostas as marcas de doenças coletivas que precisam ser combatidas. Mas, ao registrar tudo de um modo praticamente robótico e mecanizado, a realizadora dá poucos subsídios para essa perspectiva ser contundente. Seus julgamentos dos personagens são imediatos e sem desdobramentos capazes de os tornar parte de uma análise conjectural forte. Jessica não vai além de apontar dedos condenatórios aos pais negligentes e à estrutura escolar conivente por falta de um real interesse pelo desenvolvimento humano dos alunos. Trata-se de uma abordagem atenta à situação, ao painel supostamente indicativo de uma juventude incapaz de perceber o manejo das falas “responsáveis” em prol da consolidação de uma ideologia com ares de culto fanático. No entanto, nada que vá além de um olhar pitoresco, da simples tentativa.

Clube Zero mira o terrorismo nutricional elevado ao patamar de idolatria, mas não desenvolve a crítica, a reduzindo constatações alarmistas, a um espanto meio cansado, capenga e impotente. Jessica Hausner não demonstra interesse pelos personagens, fazendo deles meros fantoches de um discurso que tem vergonha (medo?) de reivindicar um status corrosivo e apocalíptico. Quem é Novak? No que ela acredita ao ponto de colocar em risco a vida dos estudantes que a seguem por falta de modelos adultos mais confiáveis? Ela tem plena consciência da natureza ardilosa de seus movimentos acolhedores, tática muito utilizada pelos neopentecostais para garantir a adesão de um rebanho tomado pela culpa? E sobre os alunos, o que podemos dizer deles que escape a essa frustração familiar que os motiva a aderir aos discursos extremos da professora, a pregadora impune da abstinência de comida? O filme não tem personagens, pois todas as pessoas são meros tipos que valem o quanto pesam as suas funções dramáticas. Por exemplo, Elsa (Ksenia Devriendt) não é importante em virtude de sua subjetividade, apenas pelo fato de ser filha da mãe com transtorno alimentar que, por isso, seria mais propensa a cair nas ladainhas de Novak (nas quais a própria acredita, é bom dizer). Desse modo, as pessoas são como cascas praticamente ocas interagindo por força da necessidade de criar imagens alarmantes do agora.

Outro efeito colateral do tipo “tiro saindo pela culatra” é a visão esterilizada dos transtornos alimentares e da suscetibilidade adolescente. Jessica Hausner filma a sua denúncia de butique com uma rigidez pretensamente desconcertante, vide os constantes zoom-in e zoom-out para, respectivamente, se ater a detalhes nas cenas inicialmente filmadas em planos abertos, e abrir o quadro para ver um panorama maior que ressignifique os gestos individuais. Uma vez que ela consolida a leitura dos pais como sujeitos alienados e descuidados das educações de seus filhos, dos jovens como manipuláveis, da professora como uma extremista nutricional e da escola como um lugar pouco seguro, o filme fica repetindo essas sentenças sem as evoluir, sem mergulhar em nuances e consequências. Por falar no colégio, é no mínimo estranho (e poderia ser asfixiante) a opção por transformar o restante dos alunos em figurantes sem nenhuma importância – parece que o grupinho sob os cuidados de Novak existe sozinho. Desde a exibição no Festival de Cannes de 2023, falou-se que Clube Zero seria uma experiência desagradável e extrema, características reforçadas pelas campanhas de marketing. Sintomas dos nossos tempos em que agredir a percepção da plateia virou mercadoria, não um gesto de subversão? Na única cena de potencial repulsivo, a da garota comendo vômito, é sintomática a ansiedade da câmera que claramente deseja criar uma imagem capaz de sintetizar a violência, mas que não sustenta essa “coragem”.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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