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Crítica


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Sinopse

Ciumento, o jovem Kareem Manning decide contratar um bandido para assustar o novo namorado de sua mãe, o policial James Coffee. Todavia, o plano segue um rumo inesperado e ele precisa unir forças com o "inimigo".

Crítica

Assim como o humor não deveria ser utilizado para propagar dinâmicas de opressão, a incorreção tende a ser útil à medida que estiver a serviço do potencial questionador, não somente como subterfúgio para fazer graça irresponsavelmente. Em Coffee & Kareem há baldes disso, a começar pelo comportamento do pré-adolescente Kareem (Terrence Little Gardenhigh), que mimetiza a linguagem gangsta rap, enfileirando palavrões e chavões associados à criação de uma imagem de bad ass (ou fodão, para traduzir em bom português). Não fosse, lá para o final, a bronca dada por sua mãe, Vanessa (Taraji P. Henson), na qual ela menciona a insegurança masculina mascarada pela atitude, sequer as grosserias do menino seriam contextualizadas. Portanto, o repertório verbal dele está a serviço do efeito cômico imediato, bem mais do que necessariamente para apresenta-lo dentro de uma conjuntura consistente. Sorte que o ator é bom o suficiente para nos cativar.

O cineasta Michael Dowse parece desorientado (ou seria deslumbrado?) ao fazer uma paródia dos filmes de duplas policiais inter-raciais, cujo modelo mais disseminado é a saga Máquina Mortífera. Isso, porque tão logo os desafetos Kareem e Coffee (Ed Helms) precisam unir forças para enfrentar bandidos, a câmera passa mais tempo registrando as piadas que sublinham a pré-existência de uma tensão racial que frequentemente media na realidade a interação da polícia com os cidadãos negros. Por sorte, outra vez, Helms assume como poucos uma patetice genuína que o torna carismático, algo que lança uma bomba de fumaça na reiteração, assim a camuflando. O garoto é uma metralhadora de palavrões, enquanto o adulto está mais para um modelo molenga de bom coração, o que obviamente aumenta a pressão entre eles. Essa inversão logo perde força e o filme se repete. Esquematicamente, diferenças são diminuídas com o passar do tempo, o que gera vínculo.

Substituindo a dinâmica criada pelo ciúme, surge a urgência de manter-se vivo e descobrir meios para esclarecer mal-entendidos. Tiros são dados a esmo, conversas “de homem para homem” são mantidas em clubes de strip-tease, Kareem continua falando bobagens a rodo, Coffee segue fazendo a linha bom policial com um coração tão grande quanto sua ingenuidade. Apesar de divertir em alguns momentos mais inspirados, Coffee & Kareem flerta perigosamente com o reforço de estereótipos e a utilização de determinados dispositivos somente visando propósitos cômicos instantâneos. Outro exemplo da parte no mínimo questionável do todo é a aula de “como evitar o bullying sendo muito gay”. Pois é, isso mesmo. O garoto de 12 anos ensina o policial a responder possíveis agressores com ofensas baseadas em sodomização e felações. Seria válido se, ao menos, isso servisse para apontar criticamente a necessidade de alguns homens de reafirmar sua masculinidade por meio da agressividade. Mas é apenas piada, sem espaço suficiente para gerar reflexão.

Pode parecer ranzinza cobrar de uma comédia que seja "responsável" ao ponto de colocar tais pingos nos is. A ideia não é tolher desse gênero a possibilidade de flertar com o risco, algo que pode temperar circunstâncias e deflagrar muita coragem. Porém, é preciso observar com quais elementos se faz graça, mas, principalmente, de que jeitos as observações reforçam ou combatem a opressão dos grupos vulneráveis. Coffee & Kareem não se trata de um filme completamente inconsequente, uma vez que há circunstâncias funcionando como boas exacerbações satíricas de comportamentos e/ou conjunturas odiosas. O fato, de no fim das contas, os malfeitores negros serem utilizados como bucha de canhão dos mandas-chuvas brancos pode ser entendido como indício de leitura atenta. Kareem falando grosserias, querendo ser visto como perigoso, evidencia essa filiação voluntária a certos arquétipos dominantes em busca de proteger-se do entorno agressivo. Porém, é uma pena que Michael Dowse dilua o potencial desses componentes numa trama gradativamente tola e fútil.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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