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Crítica


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Sinopse

Colette é uma romancista que sofre com o seu casamento abusivo. Para superá-lo, emerge como uma grande escritora no seu país e, consequentemente, como uma candidata para o Prêmio Nobel em Literatura.

Crítica

É mais que oportuno e bem-vindo o resgate atual da história de Sidonie Gabrielle Colette. Como tantas outras mulheres, essa romancista francesa teve o talento usurpado publicamente pelo marido. Em certa altura da trama, Willy (Dominic West) afirma que “a História é contada pela caneta de quem escreve”, destilando um cinismo que a sociedade lhe garante como homem. Ele é um sujeito do mundo literário, que contrata ghostwriters para fazer o trabalho pesado enquanto gasta os parcos lucros nos salões requintados de Paris, aposta em cavalos e exibe uma imagem de artista bem-sucedido, não condizente com a dura realidade. Todavia, a protagonista de Colette é a sua esposa interpretada por Keira Knightley, desenhada desde o princípio como ferozmente despojada de preconcepções, um espírito livre, tanto que não se furta de escapar das vistas paternas para se entregar furtivamente ao desejo pelo charmoso homem das letras. O clandestino vira oficial com o casamento, e os problemas não tardam a aparecer, a começar pela pronta infidelidade.

Colette se atém às vicissitudes de um casamento marcado por pequenas crises, dissimulações e manipulações. Willy é um sujeito absolutamente sedutor, que enreda Colette numa teia de promessas até sugerir, durante um período de crise financeira, que ela própria pegue a caneta tinteiro para criar narrativas fantasiosas que os possam sustentar. O cineasta Wash Westmoreland sublinha a hipocrisia desse discurso conveniente, relativo à imagem masculina como algo estritamente necessário ao sucesso comercial. Repetidas vezes durante os séculos mulheres tiveram sua genialidade notoriamente transferida a cônjuges e/ou a parceiros profissionais armados com essa desculpa. O grande acerto desta produção é mostrar que mesmo uma fêmea geniosa e forte não tinha força o bastante para envergar as convenções a favor da estrita verdade. Keira Knightley cria alguém de personalidade marcante, mas que ainda assim sucumbe ao jugo sórdido do marido pulha.

Uma pena que, diante de uma personagem tão vanguardista, responsável por quebrar diversas barreiras, o realizador prefira um percurso quadrado. Falta contundência à Colette em determinadas passagens. A briga pela autoria de uma série de livros de sucesso estrondoso é representada ocasionalmente como mera disputa de egos, sem que haja esforços para mostra-la devidamente enquanto contenda gerada por discriminação de gênero. A direção de arte dá conta eficientemente de remontar à França do século XIX. Os figurinos também são elementos sobressalentes na seara visual. Todavia, a câmera demonstra uma placidez não condizente com a efervescência dos temas abordados. Por exemplo, Colette começa a manifestar desejo por mulheres, algo encarado pelo marido no âmbito do fetiche. Isso é capturado de maneira semelhante às demais ocorrências, ou seja, com ênfase nos efeitos imediatos das subversões de costumes, sem o sublinhar de sua potência.

Wash Westmoreland faz em Colette um filme elegante, mas demasiadamente comportado, principalmente se levada em consideração a verve progressista da escritora que viu o marido ganhar fama às suas custas. O mais simbolicamente violento, no entanto, é que um homem lucre sobre a intimidade feminina, transposta ao papel com a sensibilidade que lhe é incompatível. Willy é escorregadio, escudado por toda tradição patriarcal que relega a mulher, no máximo, ao espaço de coadjuvância. Encarando com celeridade e, por conseguinte, superficialidade certos pontos – como os casos não clandestinos, pois de conhecimento dos cônjuges –, o longa-metragem é exitoso ao trazer à tona uma biografia tão rica e sintomática de conjunturas balizadas no apagamento feminino em função à celebração do masculino. Pena que não haja, realmente, aprofundamento em dubiedades, comportamentos bons e reprováveis, bem como nas contradições ali bastante vigentes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Chico Fireman
5
MÉDIA
5.5

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