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Crítica


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Sinopse

1891. Um ano após o suicídio de Vincent Van Gogh, Armand Roulin encontra uma carta por ele enviada ao irmão Theo, que jamais chegou ao seu destino. Após conversar com o pai, um carteiro que era amigo pessoal de Van Gogh, Armand é incentivado a entregar ele mesmo a correspondência. Desta forma, parte para a cidade francesa de Arles na esperança de encontrar algum contato com a família do pintor falecido. Lá, inicia uma investigação junto às pessoas que conheceram Van Gogh, no intuito de decifrar se ele realmente se matou.

Crítica

Afinal, Vincent van Gogh se matou ou foi morto? Por décadas, acreditou-se que o pintor cometeu suicídio aos 37 anos, num campo próximo ao hotel Auberge Ravoux, onde viveu até seus últimos dias. Com um tiro na barriga não tratado, ele teria agonizado por quase 48 horas antes de falecer, mas, no início da última década, uma biografia lançou a hipótese de que a história teria sido outra. Um homicídio acidental ocasionado por dois adolescentes que brincavam com uma arma de fogo. Se esse é o mote que norteia a trama de Com Amor, Van Gogh, de Dorota Kobiela e Hugh Welchman, o que mais impressiona na cinebiografia animada não é a colcha de retalhos da história, e sim a técnica empregada. Pintado a mão por mais de cem artistas, o filme é um deleite aos olhos do espectador, ainda mais por aproveitar as próprias obras pós-impressionistas de van Gogh para contar sua história.

Os créditos iniciais já são um show à parte por utilizar A Noite Estrelada, uma de suas pinturas mais famosas. O contraste do amarelo das estrelas em predominância sobre o céu azul escuro já dá a ideia da fidelidade ao holandês. O amarelo, essa cor forte e radiante, sempre foi o destaque nas obras de van Gogh. Não à toa, a escolha do protagonista, Armand Roulin (Douglas Booth), filho de um grande amigo do pintor. Eternizado pelo artista atormentado, Roulin traja, em todo o filme, o casaco amarelo que faz alusão direta ao porta-retrato feito por van Gogh. Ele tem a missão de entregar uma carta de pêsames a Theo van Gogh, quase dois anos após sua morte, mas não faz ideia de onde encontrar o irmão do falecido.

Nesse trajeto que passa por obras como O Terraço do Café na Praça do Fórum, A Igreja de Auvers, A Casa Amarela e o Campo de Trigos com Corvos, Roulin conhece vários personagens que foram de suma importância à vida do retratado. Entre eles, Joseph Roulin, Pierre Tanguy, Mademoiselle Gachet e, claro, o pai da moça e seu médico, Doutor Gachet. A cada palavra trocada com essas diferentes pessoas que cruzaram a vida de van Gogh, o próprio Roulin, tão crente na imagem geral do artista louco, começa a se questionar sobre tudo que sabia a respeito dele. Se alguns depoimentos vão além da simples loucura, pintando o artista como alguém perverso (chegando ao grau máximo nas palavras duras da governanta de Gachet), outros o ilustram como alguém tão sadio como qualquer outro, ainda que permeado de peculiaridades (como o faz a doce Adeline Ravoux). Porém, o consenso geral é que essa figura emblemática era, acima de tudo, um grande solitário.

Incompreendido muitas vezes, van Gogh era alguém extremamente fechado e não muito afeito a sorrisos, ainda que parecesse ter uma relação saudável com a maior parte das pessoas ao redor. É claro que alguns fatos pitorescos servem para contestar essa “normalidade”, como cortar sua orelha e entrega-la a uma prostituta ou sair batendo portas e portões após discussões severas. O roteiro, apesar de homenagear seu retratado, não se furta de questionar sua personalidade explosiva e como isso fez sua fama de maluco aumentar entre a comunidade geral. Vivendo à custa do irmão, que pagava por suas necessidades básicas e também pelo material de pintura, van Gogh vendeu apenas um quadro em vida dos mais de 800 realizados por ele.

A técnica minuciosamente aplicada em Com Amor, Van Gogh pode ser a maior força de venda do filme, assim como o trabalho realizado é impressionante e digno dos amantes da arte. A direção ainda é hábil por retratar flashbacks em preto e branco, aumentando ainda mais o contraste das cores em movimento que só uma animação poderia proporcionar ao público. Fica difícil imaginar uma cinebiografia sobre van Gogh que não fosse feita nesse formato. Se fosse um live action, provavelmente seu impacto seria muito menor. Aliás, ele já existe, dirigido por Robert Altman e estrelado por Tim Roth em 1990. Porém, utilizar sua extensa obra como referência direta é um grande acerto, já que van Gogh pintava a própria vida e os locais por onde passava. O resultado é uma obra tão singular e imperfeita como o próprio. Acima de tudo, questionadora. Como toda arte deve ser e algo que tão poucos compreendem, mesmo hoje.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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