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Sinopse

Moçambique vive em plena guerra civil. O trem que liga Nampula ao Malaui é a única esperança para centenas de pessoas dispostas a arriscar a própria vida numa viagem para garantir sua subsistência. Dentre elas está Mariamu, uma viajante frequente, Rosa, uma enfermeira a caminho de um novo hospital e que vive a realidade da guerra pela primeira vez, o tenente Taiar, que só conhece a realidade de sua vida militar, e um outro soldado, Salomão, com quem Mariamu não se dá bem. Entre balas e risos, histórias de amor e guerra se desdobram enquanto o trem avança.

Crítica

Ambientada no fim dos anos 80, a trama de Comboio de Sal e Açúcar ocorre em meio às tensões provocadas por uma guerra civil em Moçambique. Nesses tempos difíceis, a escassez eleva à exorbitância o valor de itens básicos, como os citados no título do filme. O comandante Sete Maneiras (António Nipita) está à frente da operação de escolta militar de um comboio ferroviário que atravessa terras devastadas para chegar ao seu destino. Não só de produtos estão cheios os vagões, mas também de gente que aceita o risco iminente de emboscadas, desde que isso signifique deslocar-se em busca de oportunidades melhores em outro canto do país. Uma dessas pessoas é a jovem Rosa (Melanie de Vales Rafael), enfermeira recém-formada, alvo da cobiça de militares que, a priori, deveriam proteger sua integridade física, não ameaça-la. Ela funciona como uma espécie de elo entre a barbárie e o instinto de sobrevivência, testemunhando os constantes ataques e a tirania de alguns homens de farda.

Em Comboio de Sal e Açúcar o suspense é subaproveitado, primeiro, em virtude da falta de habilidade do diretor Licinio Azevedo para conferir contundência às eventuais ofensivas ao trem e, segundo, pela opção de alçar ao protagonismo as relações ordinárias que se criam. É estabelecido como fator determinante um forte antagonismo entre o tenente Taiar (Matamba Joaquim), exemplo de retidão dentro do contexto moralmente duvidoso do exército moçambicano, não por acaso protetor de Rosa, e Salomão (Thiago Justino), pintado intensamente como o verdadeiro vilão do longa-metragem. Eles brigam sob a supervisão do comandante enigmático, cujo rosto marcado e o porte de um instrumento ligado a crenças denotam fé no desconhecido. Esse homem recorrentemente lança mão dos desmandos que a patente lhe permite. No entorno, o drama dos personagens secundários pouco acrescenta.

Embora exista um evidente esforço de produção, sobretudo para remontar à conturbada situação de Moçambique na época retratada, Comboio de Sal e Açúcar peca por investir de menos na tensão decorrente dos conflitos armados, e demais na dinâmica frágil que condiciona as interações. Também depõe contra as intenções do filme a construção simplista do perfil das pessoas em cena. Por mais que se tente atribuir matizes a alguns passageiros importantes dessa jornada extremamente perigosa, sobressai justo o contrário, ou seja, a delimitação das personalidades dentro de modelos quadrados. O homem bom, mesmo confessando seus crimes, permanece essencialmente ao lado do bem. Já o seu adversário imediato, embora vista uniforme semelhante e desfrute de prestígio junto ao comandante, não demonstra sequer um ato distante da prepotência com que trata os civis. Já os diálogos dos funcionários servem para expor a longa duração desse terror na linha ferroviária.

Outra incongruência de Comboio de Sal e Açúcar é a resolução do embate com a ameaça temida desde a partida. Mencionado como perigo encarnado, segundo a crendice local, dotado da capacidade de transformar-se em macaco, o comandante Xipoco só é, de fato, temível quando distante, escondido nas matas. Opta-se por não dar muita importância à força de sua presença literal, algo perfeitamente adequado caso os relacionamentos antes delineados estivessem de tal maneira sedimentados que o anticlímax se justificasse dramaticamente. Sobram boas intenções no filme de Licinio Azevedo, mas a debilidade da concepção dos aspectos puramente humanos, reduzidos a um amontoado de estereótipos pretensamente em prol de uma observação social contundente, se encarrega de minimizar impactos, de tornar tudo superficial, sem contar a previsibilidade. Com uma estrutura novelesca, esta coprodução Brasil/Portugal/França não chega a aborrecer, mas decepciona.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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