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Crítica


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Sinopse

Amador é um ex-pistoleiro aposentado e relegado ao ostracismo. Solitário e amargurado, coleciona em um álbum os recortes de jornal de seus antigos crimes. Após várias humilhações, vai reagir com violência à hostilidade do mundo que o cerca ao mesmo tempo em que resolve voltar à ativa.

Crítica

Talvez por uma destas ironias de natureza inexplicável, o último trabalho cinematográfico do ator Nelson Xavier seja exatamente uma obra crepuscular, na qual a relação com a morte é constante. A finitude é parceira de longa data de Amador (Xavier), protagonista já idoso, obviamente envaidecido ao se lembrar dos verdes anos de frio matador de aluguel. Aposentado, apegado ao livro de recortes de manchetes jornalísticas que dão conta de seus feitos, ele sobrevive atualmente de implantar máquinas de caça-níquel em bares. De cenho geralmente franzido, possui uma rotina pacata, especialmente se comparada a do passado em meio ao sangue dos desafetos de seus contratantes. Comeback se destaca não apenas em virtude da interpretação brilhante de Nelson Xavier, mas também pelo itinerário traçado por Erico Rassi, próprio para nos achegar desse homem anacrônico, saudoso do tempo das glórias veiculadas na imprensa. A nostalgia é um signo onipresente, evocado por melodias românticas.

Narrativamente falando, sobretudo no que tange à esfera visual, sobressaem a sobriedade e a contemplação. Em diversos instantes, Rassi faz uso do zoom in, movimento ótico que foca gradativamente nas minúcias após a noção geral conferida ao espectador pelo plano aberto. A hábil repetição do método nos torna íntimos de Amador, de sua personalidade e da maneira como ele encara tanto a companhia do neto do parceiro quanto a convalescência deste numa clínica. A recusa do amigo em seguir ordens médicas contrárias ao seu tabagismo é outro indício de afronta à morte, o que instaura um paradoxo, afinal de contas ambos são homens lutando para não fenecer, mas que propiciaram durante anos o passamento alheio. Em dado momento, o protagonista se lança na missão de encontrar metralhadoras para atender ao pedido dos diretores que preparam um documentário sobre sua atividade. Embora sirva de pretexto, a produção do doc não adquire maiores significados, senão como mero gatilho.

Enquanto Amador é um personagem construído cuidadosamente, os demais cumprem funções bastante específicas, dentro de uma estrutura fortemente inspirada na dos faroestes. Aliás, Comeback busca no gênero norte-americano por excelência seu elo com o classicismo (tradição) que imperava antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial e o surgimento das vanguardas modernas da sétima arte. O longa-metragem de Erico Rassi pode perfeitamente ser lido como um western genuíno, só que transcorrido na periferia de São Paulo. Ao invés de seguirmos um protagonista no auge, na plenitude de sua atuação, somos levados a percorrer um caminho repleto de saudosismo, sintoma, ao mesmo tempo, de um passado notável e de um presente nem sempre memorável. A desilusão de Amador permanece estampada em seu semblante, e igualmente no modo como ele vacila entre a aposentadoria e o possível retorno. Ainda que se ressinta da falta de tônus de alguns coadjuvantes, o filme cativa, fazendo bonito.

O antagonista não é exatamente o “dono do bairro”, o contemporâneo empenhado em fazer Amador dominar pontos e expandir negócios. Tal papel cabe à morte, adversária mais implacável, antes uma amiga a quem este pagava tributo. Comeback transpira tal embate silencioso. Ao filme, é um privilégio contar com a sensibilidade de Nelson Xavier, ator que faz do rosto uma pintura vibrante, cujas tintas são os dilemas, desejos e as idiossincrasias de seu personagem. A interação com o amigo acamado lembra Amador da proximidade da extinção, enquanto as andanças com o jovem aspirante a assassino profissional, mesmo que nem sempre desenvolvidas a contento, o reconectam com a sensação de estar vivo. Assim como os cowboys estadunidenses, principalmente os protagonistas dos longas que retratam o ocaso do velho oeste, inclusive como um espaço simbólico, Amador obviamente sente o peso de tornar-se obsoleto, posto o cenário completamente renovado, mas mantém intacta a sua dignidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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