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Crítica


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Sinopse

Will Traynor é inteligente, rico e mal-humorado. Preso a uma cadeira de rodas depois de um acidente de moto, o antes ativo e esportivo Will desconta toda a sua amargura em quem estiver por perto. Quando ele contrata a jovem Louisa Clark para cuidar dele, ele nem desconfia que ela está prestes a trazer cor a sua vida. E nenhum dos dois desconfia de que irá mudar para sempre a história um do outro.

Crítica

Embora carismático (em parte devido ao seu elenco, e por outra porque lida com personagens em situação de fragilidade, algo que sempre desperta a simpatia do espectador), é inegável que Como Eu Era Antes de Você é uma obra problemática, já que o filme se mostra no mínimo desinformado, para não dizer corrompido, em relação às delicadas questões que levanta – ou melhor, que suscita, uma vez que o projeto não parece interessado nelas. Pintado como um drama romântico novelesco (na maior parte do tempo, porque de resto é difícil saber o que estavam tentando fazer), o longa-metragem parece não querer admitir o próprio conteúdo, e usa descaradamente um cenário de fácil comoção (garota otimista que se apaixona por um garoto doente) sem lidar com as consequências desse – e retratando-as de uma maneira terrivelmente deturpada quando finalmente se vê sem saída.

Tudo começa quando somos introduzidos a Will Traynor (Sam Claflin), um jovem empresário que certa manhã, apressado para o trabalho, sofre um acidente. Dois anos depois, Louisa Clark (Emilia Clarke), desesperada atrás de um emprego para ajudar na renda de casa, aceita trabalhar cuidando de Will, que agora é tetraplégico e necessita ser auxiliado o tempo inteiro. Na mansão dos Traynor ela tenta se aproximar da figura sarcástica e virulenta que é o seu paciente, passando, aos poucos, a conquistar sua simpatia. Porém, quando os dois formam uma sólida amizade (e dão sinais de algo mais), ela descobre que ele tem planos de cometer uma espécie de eutanásia – um suicídio assistido.

Os aposentos de Will realmente refletem o estado de espírito de alguém prestes a se entregar a tal destino. Trata-se de um lugar tomado por tons neutros e sem vida, que se replicam no figurino do rapaz, ajudando Claflin em sua performance repleta de indiferença. O que, ao menos, tem alguma lógica visual quando comparado com o apartamento em que ele morava, visto na cena inicial, tomado por um branco asséptico só interrompido por ocasionais objetos amarelos, indicando sua natureza profissional e moderna, mas também feliz. Uma cor que desapareceu por completo quando o reencontramos na cadeira de rodas, estando presente apenas nas vestimentas de Louisa. Tanto que a vemos primeiro através de suas meias, que são de um amarelo vivo. A garota logo se revela uma pessoa extrovertida, cuja felicidade quase infantil é traduzida em roupas de cores básicas e espalhafatosas – e é uma pena que Emilia Clarke, embora se distancie da performance por ela oferecida na série Game of Thrones (2011-), pareça entender que uma pessoa gentil é aquela que não para de sorrir nunca, se entregando recorrentemente à caretas bobas que apenas reforçam a artificialidade de sua composição. Antes lembrasse mais Daenerys e sua força como personagem, já que é muito provável que a Mãe dos Dragões ficasse decepcionada se cruzasse com uma figura tão nula quando Louisa, cujo único assunto na vida parece ser Will.

Roteirizado por Jojo Moyes a partir do livro homônimo também de sua autoria, Como Eu Era Antes de Você seria reprovado com desonras no Teste de Bechdel, já que as mulheres presentes na obra parecem não falarem de algo que não sejam os homens que as cercam. A mãe de Louisa reclama do desemprego do marido, fica feliz em tagarelar sobre Will (durante o aniversário de sua filha!) e, mesmo entregando um presente, se vê obrigada a ressaltar: “foi ideia do vovô!”. Camilla Traynor (Janet McTeer) é outra que surge em tela apenas para servir de trampolim para que Louisa fale mais sobre Will ou para que ele fale mais sobre si mesmo: “eu sei me virar dormindo fora, mãe”, “não precisa falar por mim, mãe”. Sobrando nada melhor do que isso para a protagonista, cuja única cena em que fala um pouco mais sobre si mesma é para que Will a conheça melhor. Salva-se aí Katrina Clark (Jenna Coleman), que divide com a irmã um pequeno diálogo sobre seus planos para o futuro – que ainda assim, está à frente de um momento que não acrescenta nada ao enredo.

É complicado falar como isso funciona no livro, e tampouco interessa, pois filme é filme e livro é livro: ambos têm de funcionar independentemente. Se nas páginas o tom é outro e acaba alcançando o efeito desejado, ótimo. O certo, no entanto, é que no filme escrito por Moyes segue-se à risca a escola Stephanie Meyer de concepção de casais: a garota desastrada que desperta o interesse de um cara bonito e rico, mas com algum defeito irreparável – vampiro, psicopata sexual, tetraplégico... escolha à vontade. Nesses universos de homens idealizados para serem imperfeitos na medida certa, mulheres que são esperadas com a porta do carro aberta existem para servir às histórias deles, anulando-se no processo. Assim como Bella se submetia a Edward e Anastasia a Christian Grey, Louisa admite que cuidar de Will é a maior ambição que já teve. E quem não teria, não é mesmo? Quando Sam Claflin diz para uma Emilia Clarke sentada no seu colo coisas como: “não poderia ver você nua e não poder... se você soubesse o que eu gostaria de fazer com você agora”, quem não se derreteria? Entretanto, o machismo romantizado da autora acaba se revelando até mesmo um problema menor quando o filme se volta para questões como a depressão e o suicídio.

Temas tão delicados como esses possuem suas próprias literaturas, com volumes quase sempre focados em dissuadir o leitor de estereótipos e preconceitos sobre tais comportamentos. Nenhum dos quais deve ter chamado a atenção de Moyes, que se revela desonesta ao descrever de maneira rasa e romantizada (!?) uma situação triste e complexa. Em tempos em que se luta tanto por representatividade, deficiente físicos de qualquer tipo que tentarem encontrar um pouco de si mesmos em uma sessão de Como Eu Era Antes de Você deverão sair com uma mensagem simples: se mate, não há pelo quê continuar vivendo. Pois mesmo sendo rico e, portanto, tendo fácil acesso a aparelhos e equipamentos que lhe permitam viajar pelo mundo, praticar esportes e mesmo continuar sua carreira, Will Traynor prefere o suicídio.

Em uma realidade em que a maioria esmagadora de deficientes pelo mundo mal conseguem os recursos básicos para permanecerem vivos, e mesmo quando aparelhados vislumbram passar o resto de suas vidas entrando e saindo de filas de hospitais enquanto lutam dia após dia para pagarem as contas geradas por isso, o nosso herói aqui está abalado demais por não poder ir para Paris sem se preocupar se a tomada da bateria de sua cadeira encaixa nas entradas francesas. Mas ok, tratar de personagens antipáticos não é crime algum. Diversos filmes amados pela história do cinema têm como protagonistas assassinos cruéis ou pessoas egoístas e egocêntricas. O problema está em romantizar essas figuras e tentar vendê-las como mocinhos bonitos por quem vale à pena se jogar de um penhasco (como fez Bella), se submeter a abusos sexuais (como fez Anastasia) ou anular seus próprios princípios (algo tão ruim quanto, que é o que faz Louisa).

Provando ainda ter uma visão tola sobre sua figura central, Moyes faz com que Clark, depois de ser preterida por Will ao suicídio (!), tome uma decisão que parece implorar por condescendência. O que é exatamente o que ela acaba conseguindo de seu “amado” – o uso de aspas se faz necessário pela dificuldade em imaginar o quão amado possa ser alguém que lhe diz algo como: “você é uma das melhores coisas que já me aconteceram, mas não a melhor, por isso ainda vou me matar, ok?” (embora seja perceptível que a roteirista tenha escrito falas que imaginava serem sexys e irresistíveis). Fazer desse tenebroso diálogo o ápice dramático da produção, e que se dê ainda em uma cena que esteticamente poderia ter saído do horário nobre da TV aberta, só torna tudo ainda mais estapafúrdio. Pois não basta ser machista, desonesto e nocivo (e nem vamos falar da maneira pueril como se retrata a depressão, uma condição médica muito séria), tem que ser narrativamente tolo também. Como Louisa era antes de Will? Não sei, ela não conta, está ocupada demais sendo alegremente diminuída e tratada com arrogância por ele. Sei, apenas, que antes desse filme eu era um crítico menos preocupado.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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