Crítica


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Sinopse

Para viajar com seu pai, Laura perde a possibilidade de ir a uma festa. Mas, ela é deixada sozinha na casa em que eles cresceram, rapidamente sendo tomada pelo tédio de não ter o que fazer.

Crítica

A bronca pela utilização excessiva do celular virou praticamente um mantra entre pais e mães da atualidade. E o cinema reproduz isso, tentando engatilhar a partir dessa circunstância a incomunicabilidade entre gerações. Para tanto, geralmente coloca alguém dizendo: “celular à mesa não, fulana” ou mesmo “desliga esse troço e vai viver um pouco”. Em Como Ficamos da Mesma Altura esse expediente é apenas um dos indícios de que existem dificuldades entre pai e filha. O que mais chama atenção na primeira metade deste curta escrito, dirigido e montado por Laís Santos Araújo é a transferência à imagem dessa noção de distância emocional. Quando os dois param na estrada, a caminho da cidade natal do homem, a câmera desloca a menina quase para fora do quadro. E esse tipo de composição interessante se repete nas conversas prosaicas dos personagens que constantemente acabam em tensões. As interações são duras, ainda que as situações sejam revestidas com um verniz de naturalidade e que as elipses desempenhem bem o papel de resumir os dias modorrentos.

Como Ficamos da Mesma Altura fica nesse jogo de gestos e conversas que não se encaixam por conta de insatisfações comuns. A menina está entediada no fim de mundo ao qual foi arrastada para a homenagem a um morto. Já que a televisão está estragada, seu único divertimento é o celular, aparelho com o qual o pai implica. Mas, Laís Santos Araújo não investe nessa sutileza em que os equipamentos e o tempo de uso dos mesmos são desculpas esfarrapadas para anunciar abismos maiores. A realizadora fica repetindo as implicâncias dele, os arroubos de irritação dela, engajando o espectador principalmente pela forma como articula e dinamiza visualmente esse jogo cênico. Mesmo assim, as intenções parecem demasiadamente repetitivas. Evidentemente, a reiteração tem o propósito de acentuar a rotina monótona de quem gostaria de estar em casa para ter acesso aos amigos e àquilo que a faz bem. No entanto, o sobrepeso acumulado com a passagem do tempo é curiosamente verbalizado, quando poderia ser perfeitamente sugerido pela encenação.

Nessa disputa reafirmada entre discursos reivindicatórios da menina e evasivas paternas, outras coisas poderiam ser sublinhadas, mas não ganham desenvolvimento posterior. Em nenhum momento as falas do pai insinuam alguma dificuldade por estar de volta ao lugar. Então, parece um ruído quando uma amiga dele das antigas revela a sua ojeriza pelo local: “ele disse que nunca mais voltaria para cá sozinho”. Não é aproveitado esse espaço de contradição entre os gestos de um e as declarações de outra. Já na sua segunda metade, Como Ficamos da Mesma Altura toma outros caminhos. Há num solavanco repentino que causa estranheza, especialmente num filme com pouco mais de 15 minutos. Tão logo a adolescente perca o único meio de evadir virtualmente daquela realidade, Laís Santos Araújo passa a acompanha-la com uma curiosidade quase documental pela cidade. Ela na feira, ela na barraca de tiro ao alvo, ela conversando com alguém de sua idade. Essa mudança de tom não traz muitas coisas ao filme, senão a evidência da bem-vinda vontade de diversificar.

Outro ponto que depõe contra Como Ficamos da Mesma Altura é a oscilação do desempenho do elenco. Anne Luz está ótima como a garota entediada, embora na cena da discussão com o pai dê a impressão de que está prestes a rir, quando a personagem precisa demonstrar indignação. Já Julien Costa representa uma presença forte, o pai carinhoso e diligente ao mesmo tempo, mas nem sempre seus diálogos soam naturais, o que às vezes expõe as marcações de cena. Um dado positivo é o fato de Laís Santos Araújo se esforçar para manter essa divergência geracional como algo inerente ao processo de crescimento da adolescente, não estendendo as discussões ou lhes dando um tom excessivo de gravidade. Ela diluí as discrepâncias num cotidiano que conta com preocupações típicas dos pais, tais como a frequência dos banhos e socialização com “gente da sua idade”. Conceitualmente parecidas, a primeira e a segunda partes têm efeitos discrepantes. Uma instiga os vários assuntos por meio da composição das imagens; a outra tenta uma variação disso, mas não é tão bem-sucedida.

Filme visto no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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