Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra

Crítica

Personagens com doenças graves são um convite à apelação sentimentalista. Afinal de contas, eles estão inseridos numa situação naturalmente dramática, sobretudo quando o diagnóstico é terminal. Uma vez o doente condenado, cada tarde passada com um ente querido, cada sonho antes não realizado, cada conversa mais difícil com um parente ganha automaticamente outro tipo de dimensão. E o cinema está repleto dessas histórias em que os realizadores parecem não precisar de muita força para arrancar lágrimas da plateia. Aos mais suscetíveis, a iminência da partida de uma figura central é suficiente para abrir as comportas dos canais lacrimais. Então, talvez o principal mérito de alguém que resolva dirigir um filme nesses moldes seja justamente a habilidade para lidar com essa emoção fácil, às vezes mais a contendo do que a liberando. No tailandês Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra o protagonista é M (Putthipong Assaratanakul), o típico adolescente desinteressado, alheio às tradições, mais preocupado com um possível futuro como streamer. E isso fica bem claro quando ele acompanha (a contragosto) a família num ritual de celebração dos mortos, quando faz aquele corpo mole clássico dos jovens entediados. Portanto, é alguém que precisa aprender a lição sobre o quão importante é valorizar até mesmo os menores momentos, isso enquanto ajuda (por interesse) a cuidar da avó doente.

Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra não é o tipo de melodrama que contém a emoção, pelo contrário. O cineasta Pat Boonnitipat parece sempre pegar o caminho mais rápido para fazer brotar a comoção no espectador, seja na maneira como conduz a aproximação gradual de M com a avó doente – brilhantemente interpretada por Usha Seamkhum – ou ainda pelo modo desavergonhado como utiliza a trilha sonora para chantagear os nossos sentimentos. E essa natureza manipuladora um tanto vulgar se materializa no dia a dia de M, quando ele se muda para a casa da parente inicialmente ignorante sobre o fato de ser portadora de um câncer agressivo. M começa a ajudando de má vontade, esperando com isso ser incluído no testamento como um dos favoritos da moribunda. Aos poucos, ele vai se afeiçoando à mulher, à sua rotina, aprendendo a importância de ter paciência. Aliás, o filme utiliza a fila como metáfora dessa necessidade de desacelerar um pouco a fim de encarar o mundo de um jeito menos ansioso e automático. A fila do peixe favorito da avó é o primeiro indício da irritação juvenil de M. Mais à frente, ao aguardar pacientemente a vez da matriarca na fila hospitalar à quimioterapia, ele não demonstra a mesma inquietação. E é justamente por conta dessa e de outras pequenas sutilezas que um filme com vocação manipuladora ganha alguns pontos e termina com o saldo positivo.

Os acontecimentos de Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra são bastante previsíveis. Ao identificar que os roteiristas Pat Boonnitipat e Thodsapon Thiptinnakorn trabalham a partir de modelos muito utilizados e convenções desgastadas, rapidamente podemos deixar de lado qualquer expectativa em relação a surpresas e apenas torcer para o andamento ser sensível o suficiente. Durante o desenvolvimento da trama, há um inconstante equilíbrio entre os clichês desse tipo de história marcada por um paciente terminal e toques que o salvam heroicamente da sensação de “já vi esse filme antes”. Mesmo com poucos elementos específicos sobre a cultura tailandesa (o que o torna um prato cheio parta remakes ocidentais), o longa-metragem exibe um andamento menos acelerado do que estamos acostumados e, ainda por cima, mostra como a morte é enxergada pelos mais velhos na Tailândia. Pena que Pat Boonnitipat não elabora como poderia um viés presente nas entrelinhas e plausível: a possibilidade de a globalização apagar as particularidades tradicionais de cada região. Sim, pois enquanto M é como qualquer adolescente inquieto e meio perdido, especialmente a sua avó se porta como uma espécie de guardiã da memória do país, vista regularmente rezando para os santos de sua devoção e continuando com a prática de reverenciar os mortos – algo entranhado na sociedade tailandesa.

Um dos prontos que salva Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra da mediocridade é o trabalho do elenco, especialmente o de Usha Seamkhum. Dona de casa próxima de completar 80 anos, ela é estreante nos cinemas. E sua composição da avó de caminhar lento que luta contra o câncer enquanto tenta manter de pé os pilares da família é ora comovente, ora engraçada. Essa mulher cercada por parentes gananciosos por todos os lados estranha a constância do neto e recebe a verdade como prêmio por sua insistência. Mesmo que o entorno seja choroso, ela mantém uma atitude estoica diante da morte inevitável. Com um senso de humor misturado com uma ranzinzice deliciosa, ela vai tomando o protagonismo de M. o garoto em vias de aprender lições valiosas a respeito da vida para além do seu umbigo encostado no computador. O representante da Tailândia no Oscar 2025 está longe de ser um grande filme, às vezes reproduz o sentimentalismo chantagista de produções apenas comprometidas com as lágrimas fáceis. No entanto, como as experiências cinematográficas não são lineares, ou seja, são perfeitamente capazes de apresentar altos e baixos, o resultado aqui é uma disputa constante entre o piegas e o sensível, entre o tolo e o bonito. E nesse cabo-de-guerra acaba prevalecendo a beleza de alguns instantes em que os clichês sentimentalistas perdem a briga para uma sensibilidade genuína.

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Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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