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Sinopse

Emila procura o irmão desaparecido numa pequena cidade na fronteira entre o Brasil e a Argentina. Ela se hospeda nas proximidades de uma floresta que abriga uma besta, segundo os rumores locais.

Crítica

Há um antigo mito entre produtores e distribuidores cinematográficos que seria uma espécie de ‘mau agouro’ utilizar pontos finais em títulos de filmes, até mesmo exclamações ou interrogações. Se isso é fato ou mera lenda, está aberto a ser discutido, mas o certo é que poucos se aventuram a investir nessa sinalização em suas denominações. E se em diversos casos a ausência de indicativo soa estranha, em Como Matar a Besta o resultado se mostra positivo e contribui com o tom enigmático proposto pela diretora e roteirista Agustina San Martin. Pois tanto pode ser um questionamento – afinal, como se mata uma besta? – como também um guia – descubra aqui como matar a besta! Se essa indefinição está posta desde o começo, é porque também se manifesta no desenrolar da trama, refletindo os sentimentos vivenciados pela protagonista. Uma combinação poderosa, que eleva o conjunto a um patamar digno de atenção.

Emilia (a revelação Tamara Rocca) está em busca do irmão, que desapareceu. Para tanto, se muda para a hospedagem improvisada da “tia Inês” (o parentesco é questionável), localizada na região da fronteira entre Argentina e Brasil. Lá, onde não se sabe ao certo que língua falar, para que lado ir e nem mesmo em qual país se está, a garota tenta refazer os passos daquele que sumiu sem deixar rastros. Ao mesmo tempo, uma notícia toma conta do pequeno vilarejo: estaria uma ‘besta’ escondida pelas redondezas, assustando incautos e fragilizados? Ou seria apenas uma desculpa para dar conta daquilo que não se pode explicar aos olhos vistos? Nesse ponto se está outro elemento de dúvida, deixando claro o quanto a diretora parece estar disposta a lidar mais com percepções individuais e menos com garantias absolutas.

Um acerto interessante é essa personagem mais velha, Inês, que recebe a sobrinha sem muito querer, mas também permitindo que, pela proximidade, sua investigação prossiga. Nesse papel se encontra a paraguaia Ana Brun, uma advogada de carreira que, poucos anos atrás, foi convencida a participar de seu primeiro longa e, de cara, foi reconhecida com o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim. Seu desempenho em As Herdeiras (2018) lhe rendeu ainda o Prêmio Platino e troféus nos festivais de Lima, Santo Domingo e até Gramado. Uma performance tão marcante, ainda mais sendo de uma novata, facilmente poderia ter sido confundida com sua persona privada. Pois em Como Matar a Besta Brun oferece um vislumbre de sua versatilidade, entregando uma figura não simpática, mas que compreende o drama da recém-chegada e as dificuldades que essa terá pela frente em sua missão.

Onde nem mesmo os telefones celulares são garantia de segurança – nessa zona nem lá, nem cá, até as redes se confundem entre um lado e outro, o que muitas vezes resulta na inexistência do serviço – Emilia se depara com um submundo longe dos olhos daqueles apenas de passagem. Se por um lado há o capataz de poucas palavras (vivido pelo brasileiro João Miguel, em participação discreta, mas eficiente), há um percurso alternativo sem muito controle ou julgamentos. Uma vez ciente dessa possibilidade, ela mesma acabará atraída pela chance de dar vazão a quem, de fato, é. Há uma represa dentro de si, ansiando pela oportunidade de transbordar. Não teria sido o mesmo a ocorrer com aquele que agora busca? Seria ele apenas o coelho a indicar o caminho pelo qual Alice precisa percorrer para alcançar uma sonhada liberdade?

A besta, no começo tão temida, pode ser tão concreta quanto imaginada, percebida ou apenas desejada. Uma vez familiarizada com esse potencial, a garota não terá mais para onde voltar, e assim mais uma vez se estabelece paralelos com a senhora ranzinza, apreensiva por motivos que não precisará revelar, pois a experiência da jovem se encarregará de torná-los conhecidos. Como Matar a Besta refugia-se em um ambiente de sonho ou pesadelo, dependendo mais daquele no comando das decisões optar por qual dessas leituras se permitirá guiar. Eis aqui um filme que entende a responsabilidade que assume ao propor sua história, mas também é ciente da necessidade dessa se completar no olhar de quem dela compartilha. As respostas estão pelo caminho, e fazer uso delas – ou não – é uma tarefa que cabe ao outro.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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