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Sinopse

Uma mulher misteriosa relata a trajetória de vida de Nikodem "Nikoś" Skotarczak, um dos maiores criminosos da história recente da Polônia. Mas, qual a relação que ela mantém com esse personagem perigoso e controverso?

Crítica

Como me Apaixonei por um Gângster (2022) é um filme bastante ocupado. Os autores pretendem reconstituir a história completa de Nikodem "Nikos" Skotarczak, do nascimento aos últimos dias. Isso inclui cada viagem de ida e vinda entre Polônia e Alemanha; suas inúmeras namoradas e esposas; as entradas e saídas da cadeia; os novos planos de roubo, tráfico e falsificação; as tragédias envolvendo diversos membros da família; a sucessão de capangas e cúmplices ao longo das décadas. Trata-se de uma produção gigantesca, de aparência caríssima, contando com dezenas de personagens centrais, locações intermináveis (um teatro luxuoso, mansões, campeonatos de futebol, prisões, quartos de hotel), e uma sucessão interminável de cenas. Os produtores poderiam transformar este mesmo material numa minissérie em cinco ou seis capítulos, no entanto, preferiram encaixar as reviravoltas num longa-metragem de três horas de duração. Para quem espera um resultado arrastado, encontrará, pelo contrário, um filme apressadíssimo em passar ao próximo ano, ao cenário seguinte, ao personagem inédito. A partir da história real, os roteiristas Krzysztof Gureczny e Maciej Kawulski elaboraram uma checklist dos elementos considerados importantes na vida de Nikos, chegando a lista generosa. O projeto lembra um trabalho de pesquisador ou colecionador, ao invés de uma obra de arte.

O cineasta Maciej Kawulski se esforça em embalar esta trajetória num formato pop, colorido e divertido ao espectador. Isso significa revestir os planos de um verniz neon, sedutor, com muita trilha sonora, acelerações e câmeras lentas, além de movimentos improváveis de câmera. Cheira-se cocaína, rouba-se carros e penetra-se uma dezena de mulheres com o mesmo sorriso no rosto — Nikos (Tomasz Wlosok) representa, em primeiro lugar, um sujeito carismático e atraente. Isso justifica o título, descrito pelo ponto de vista das mulheres em sua vida. “Meu pequeno gângster!”, ri a irmã durante a juventude. “Eu amo meu gângster!”, confessa outra mulher adulta, sedenta por sexo. “Tenho muito respeito pelo seu trabalho”, exclamam-se três empresários. O filme polonês aborda a fascinação pelo mundo do crime, sem romper com tal adesão em intuito crítico. Pelo contrário, busca mergulhar o espectador na vertigem de festas, sexo e drogas, onde qualquer produto ou mulher está ao alcance dos desejos do protagonista. A esposa cometeu suicídio, levando o filho pequeno junto? Sem problemas: no corte seguinte, Nikos estará feliz, ao lado de uma namorada nova. A sucessão de fatos permite que se tornem inconsequentes: nem o herói, nem o espectador tem tempo para refletir sobre o que ocorre. Elabora-se um filme de ação, no sentido estrito do termo. São as reviravoltas e os verbos que movem a narrativa.

Tamanha pressa oferece desafios que o projeto cumpre com resultados variáveis. As passagens de tempo são frágeis: as imagens precisam alertar, a cada cinco minutos, em qual ano e país o gângster se encontra, e com qual mulher se relaciona. A afobação retira o peso dos conflitos: a compra de uma equipe de futebol é esquecida em seguida; os filhos desaparecem quando a narrativa não sabe o que fazer com eles. A decisão de envelhecer os atores também provoca um desnível na caracterização: ora o filme passa diversos anos com Tomasz Wlosok vestido da mesma maneira, ora decide envelhecê-lo muitos anos, abruptamente. Em paralelo, seus comparsas mantêm a aparência da juventude, ou ganham uma maquiagem pesadíssima, propícia a uma comédia pastelão — caso de duas carecas inverossímeis. Os filhos passam de crianças pequenas a jovens adultos, ou talvez sejam adolescentes interpretados por atores muito mais velhos. Já as amantes nunca envelhecem, com exceção da narradora onipresente, que apenas se senta ao bar e narra a história inteira ao garoto desconhecido. O roteiro nunca para de apresentar novos personagens e conflitos: capangas e amantes são apresentados antes de entendermos o que aconteceu aos precedentes. Assim, as sequências começam a se equivaler: após a sexta encenação de sexo oral, o choque se perde. Quando tudo é festa e agitação, nada o é.

Um efeito semelhante ocorre com as escolhas estéticas. Os cenários grandiloquentes, repletos de luzes rebuscadas e ângulos curiosos impressionam a princípio, mas cansam com rapidez. Kawulski trata a ascensão e a queda com igual senso de espetáculo, ignorando que o fervor da conquista se tornaria mais intenso em oposição à possível melancolia da derrota. Entretanto, o protagonista recebe pelo menos meia dúzia de “cenas de Oscar”, ou seja, instantes de catarse descontrolada para mostrar que “está atuando”. Num depoimento à polícia, quando percebe que vai ser preso, Nikos dispara um monólogo enlouquecido envolvendo um trava-línguas (que a legenda traduz como “O rato roeu a roupa do rei de Roma”), enquanto quebra os móveis da sala, sob a música alta e uma iluminação religiosa. No cassino, todas as armas do diretor são disparadas simultaneamente: planos acelerados junto a outros em câmera lenta, flares, sobreposições, fades, câmera giratória, granulação da imagem, música ininterrupta, enquanto Nikos consome cocaína, álcool e se comporta de maneira agressiva. O cineasta emprega alguns recursos famosos nos anos 1990 nas obras de Guy Ritchie e Danny Boyle, sem considerar o fato que esta linguagem pop possui outro valor para uma juventude que já viu, e ainda vê, de tudo nas telas dos seus celulares. Estamos anestesiados face à depravação divertida — ela não constitui um real fator de choque, nem uma ousadia política, há pelo menos 20 anos.

Ressalvas à parte, Como me Apaixonei por um Gângster cumpre a premissa de ascensão e queda dentro de um formato de blockbuster, no qual tudo é empolgação, mas nada o é — a violência possui pouco sangue e perversidade, enquanto o sexo ocorre entre pessoas vestidas, num ato claramente falso. Fala-se do prazer em roubar, falsificar, fugir da prisão, embora vejamos pouco destes processos em desenvolvimento. São raras as discussões a respeito de planos de roubo, porque o texto está preocupado demais em passar ao ano seguinte. Neste aspecto, chegamos ao elemento definidor deste longa-metragem: a quebra da quarta parede, quando todos os personagens se viram à câmera e explicam ao espectador suas impressões sobre Nikos. O recurso artificial confessa seu caráter teatral, burlesco, enquanto sublinha a construção do gângster pelos olhos de terceiros. Deste homem, conheceremos apenas a visão que seus amigos, inimigos e namoradas possuem, o que talvez justifique a representação movida por paixão e ódio, desejo e rancor. Às vezes, os coadjuvantes contam um ao outro suas opiniões, ou interrompem uma ação para informar o espectador: “Esta foi a última vez que o vi”. O longa-metragem polonês escancara sua condição de homenagem afetuosa e acrítica ao homem real, esbaldando-se no entretenimento do crime. Por este ponto de vista, Nikos teve tudo: carros, dinheiro, mulheres, poder, amigos. A idealização nasce do pressuposto de felicidade via consumo de pessoas e coisas, até a inevitável explosão. Para o herói, e para o diretor, valeu a pena. “É melhor viver um ano como um tigre, do que vinte anos como uma tartaruga”, repete Nikos, num mantra que se aplica à produção em geral. 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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