float(7) float(3) float(2.3)

Crítica


4

Leitores


3 votos 4.6

Onde Assistir

Sinopse

Diego é um jovem paquerador e é famoso pelo grande número de garotas que conquista. Seu novo alvo é Luci, por quem se apaixona perdidamente. Porém há um problema: Luci sofre de falta de memória a curto prazo, o que faz com que se esqueça do dia anterior. Diego é obrigado a conquistá-la, dia após dia, para ficar ao seu lado.

Crítica

O primeiro questionamento diante da versão mexicana para a comédia romântica Como Se Fosse a Primeira Vez (2004) diz respeito à sua própria existência. Quando norte-americanos propõem uma refilmagem de projetos de sucesso sul-coreanos, alemães ou franceses, dizem se tratar de uma questão de comunicação: o público nos Estados Unidos não estaria acostumado às legendas, e teria resistência a produções em outras línguas. No entanto, o cinema americano possui forte penetração em qualquer mercado, inclusive no mexicano, o que não tornaria a recíproca verdadeira. Além disso, a comédia estrelada por Adam Sandler e Drew Barrymore conquistou um sucesso considerável de bilheteria. Talvez o diretor Mauricio Valle quisesse então propor uma mudança substancial à premissa, seja pela passagem de dezesseis anos desde o original, seja para introduzir algum elemento específico da cultura local, ou ainda ao sugerir transformações nos conflitos dos personagens (o que aconteceria se fosse ele o amnésico?). Ora, nenhuma destas alterações significativas acontece no filme de 2019. Como Se Fosse a Primeira Vez se torna, pragmaticamente falando, um projeto oportunista.

Valle limita-se a adaptar o mínimo esperado de uma obra dos nossos tempos: agora os telefones celulares e computadores possuem um papel importante. O protagonista, cujo principal conflito era o medo de se comprometer com uma mulher a longo prazo, desta vez não possui conflito algum. Diego (Vadhir Derbez) constitui um biólogo marinho que jamais vemos trabalhar na área, até encontrar Luci (Ximena Romo) e se apaixonar. Mesmo o esquemático embate do roteiro anterior (o homem mulherengo se esforça para ter um relacionamento duradouro) desaparece na nova versão. Privilegia-se então a aparência bela e descompromissada, incluindo o cenário paradisíaco de Punta Cana, o clima sempre ensolarado, os passeios turísticos pela região e uma constante trilha sonora de transição entre cenas, apostando no reggae e no pop para criar uma atmosfera de feel good movie. Sandler e Barrymore se saíam bem nos papéis devido ao talento cômico de ambos, ao passo que o equivalente mexicano prefere uma versão focada na plasticidade. A direção de arte e a direção de fotografia privilegiam a beleza de Derbez e Romo, interpretando a trama enquanto fábula sobre o namorado gentil que encontra a namorada amigável.

No papel da garota sofrendo de perda de memória, Romo encontra algumas maneiras de brincar com a surpresa de se deparar com o “novo” namorado todos os dias. Ainda que lhe falte traquejo para o humor físico, se sobressair nos momentos românticos e dramáticos. Já Derbez, filho do famoso humorista Eugenio Derbez, revela-se muito mais limitado enquanto protagonista masculino. A câmera busca várias vezes o rosto do ator para captar variações de dúvida, malícia ou tristeza, porém encontra o mesmo sorriso protocolar, como se ele se limitasse a posar para a câmera. Os intérpretes dos garçons do restaurante e dos familiares de Luci constituem os melhores reforços cômicos que a narrativa poderia pedir, porém ocupam um papel bastante secundário, não conseguindo potencializar as trapalhadas de Luci e Diego. A comédia popular, dos anos 2010 para cá, tem oferecido a possibilidade de brincar com os códigos da ação, de empoderar mulheres, de explicitar a sexualidade e os desejos eróticos de um e de outro. No entanto, a refilmagem ainda soa como um filme dos anos 1990 ou 2000, separando-se ao máximo do resto da sociedade mexicana ou dominicana. Diego e Luci vivem numa bolha de classe média-alta, desprovidos de problemas que não digam respeito ao romance.

Para os brasileiros, o resultado se assemelha a tantas produções românticas da Globo Filmes, nos moldes de Meu Passado me Condena (2013) e Qualquer Gato Vira-Lata 2 (2015), quando um sujeito paspalhão precisa provar seu amor a uma mulher linda ao longo da viagem a um local paradisíaco. Trata-se de um cinema escapista, ansioso para agradar e fazer rir a todo custo (mesmo que isso implique em sacrificar a psicologia dos personagens ou a lógica narrativa), e que encontra na infantilidade um equivalente ao “humor para toda a família”. No filme mexicano, os personagens escorregam e caem, tropeçam e caem, dançam exageradamente depois de um encontro romântico e falam de sexo como pré-adolescentes tímidos e virgens. Enquanto isso, o pai e o irmão consideram-se guardiões da virgindade da irmãzinha de mais de vinte anos de idade. Por trás das belas mensagens sobre o amor vencendo obstáculos ou sobre romances eternos, existe um ranço conservador no retrato da mulher enquanto princesa, precisando ser preservada pelo pai e conquistada pelo namorado. O ponto de vista, para Valle, não pertence a Luci, e sim a Diego. Talvez aí pudesse entrar uma mudança significativa na releitura da comédia original.

Por fim, o filme cumpre exatamente o prometido, o que constitui seu mérito e também sua falha. Para o espectador que já tiver assistido ao filme norte-americano, paira a sensação de que esta versão não possui nada a oferecer por si própria – e na comparação inevitável entre eles, o primeiro projeto ainda se sai muito melhor. Para quem não tiver assistido ao original de 2004, provavelmente saberá que existe uma obra melhor, de fácil acesso e com bons humoristas, dotada de premissa praticamente idêntica. Valle reforça a beleza das paisagens, dos atores e das cores, num registro próximo da linguagem publicitária. Ora, seria ingenuidade pensar que isso bastaria para dar nova vida ao material de origem. Como Se Fosse a Primeira Vez contenta-se então em explorar a nostalgia pelo filme bem-recebido, numa época em que as comédias românticas se tornaram mais raras, ao mesmo tempo em que aproveita para lançar mais um nome da família Derbez ao cinema popular. Funciona, portanto, como instrumento de sustentação de uma marca conhecida e de um nome que se pretende popularizar. Enquanto proposta de cinema, a previsibilidade típica das comédias românticas se torna duas vezes mais intensa ao repetir um filme preexistente – sobretudo nas cenas finais, reproduzidas à risca. É pouco, especialmente para um projeto cujas ambições já são bastante limitadas.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *