Crítica

Chocante. Surpreendente. Revoltante. Desconfortável. Inacreditável. Eis alguns adjetivos que resumem a sessão de Compliance para muitos espectadores. O filme de Craig Zobel, no entanto, não encontrou o mesmo entusiasmo quando teve sua estreia no Festival de Sundance em 2012: inúmeras vaias e pessoas abandonando o cinema marcaram a exibição. O intrigante suspense propicia a experimentação de muitas sensações, o que justifica as extremadas reações com o mesmo, mas não permite a indiferença – feito cada vez mais raro no cinema contemporâneo. Independente da impressão final, Compliance merece ser visto pelo simples fato de oferecer uma experiência cinematográfica singular.

A produção se enquadra naquelas situações em que quanto menos se sabe sobre ela e sua trama, melhor é. Sinopses, trailers e resenhas como esta podem revelar detalhes importantes que são mais impactantes quando descobertos com o filme, então siga a leitura do texto apenas se não se importar com isso. Como o cartaz revela, Compliance é inspirado por acontecimentos reais que abalaram o sistema judicial norte-americano e que alteraram significantemente a vida dos envolvidos com os inúmeros casos semelhantes ao retratado no filme.

O dia em um restaurante fast-food é dramaticamente alterado com a ligação de um policial, que pede para a gerente da loja interrogar e revistar uma atendente, acusada de roubar a bolsa de uma cliente. O enredo de Compliance foi inspirado numa série de trotes telefônicos registrados mais de 70 vezes em 30 diferentes estados norte-americanos, alguns com graves consequências. O filme reconstitui um caso em específico, em Mount Washington, no Kentucky, no qual a garota revistada no almoxarifado foi submetida a uma série de humilhações e abusos sexuais, todos indicados pelo suposto policial como métodos oficiais de busca.

Ann Dowd, que ganhou notoriedade após financiar sua própria campanha para receber indicações a prêmios, interpreta Sandra, gerente que conduz a investigação a pedido do policial. A carga dramática de sua personagem é tamanha que permite a compreensão de suas ações menos justificáveis, uma vez que Dowd cria uma persona mais passível de pena do que raiva. Dreama Walker, que aparece como Becky, a atendente, também impressiona e torna crível a postura de uma adolescente que deseja apenas manter seu emprego e não ter problemas maiores com a polícia. As duas atrizes, amparadas por outros intérpretes de personagens igualmente complexos e tridimensionais, são responsáveis por manter a produção num plano real e plausível, ainda que repugnante.

Por mais absurdo que possa parecer em algumas sequências, Compliance se torna mais chocante quando se investiga a situação supracitada, verídica, que foi integralmente filmada por uma câmera de segurança. Craig Zobel, em seu segundo longa-metragem, reconstrói o caso quase que integralmente em pequenos espaços da lanchonete, o que torna o filme ainda mais claustrofóbico. Sua direção é inteligente e sugere muito mais do que mostra de forma explícita, como Michael Haneke habilmente fez nas obras-primas Violência Gratuita (1997 e 2007) e Caché (2005). Zobel, que não facilita a sessão para espectador algum, cria artifícios simples e brilhantes para conduzir sua narrativa com tensão ainda maior que a proposta por seu roteiro. Em sequências simples de diálogo, por exemplo, o cineasta altera o ângulo de sua câmera sem perder o mesmo enquadramento – o que causa desconforto e inquietação.

Compliance efetivamente choca, surpreende e revolta. Não é um filme agradável de assistir, daqueles que propiciam bons momentos após a sessão. Mesmo assim, consegue um alcance que infelizmente poucas produções atingem e mais uma vez chama a atenção para o cinema independente estadunidense, que compensa as várias realizações descartáveis exportadas pelo país.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
avatar

Últimos artigos deConrado Heoli (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *