Crítica
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Sinopse
A Condessa de Hong Kong: Um embaixador estadunidense (Marlon Brando), de passagem por Hong Kong (China), encontra uma condessa russa (Sophia Loren) refugiada em busca de uma melhor oportunidade de vida. Após uma noite juntos, ele acorda no dia seguinte com ela escondida no seu quarto do navio, decidida a fugir para os EUA com ele.
Crítica
Batizado no Brasil como A Condessa de Hong Kong, o último filme dirigido por Charles Chaplin deveria se chamar, na verdade, Uma Condessa vinda de Hong Kong, tradução literal de A Countess from Hong Kong. Afinal, o seu título nobre é mera circunstância, e pouca relevância ou diferencial oferece à trama escrita pelo próprio cineasta ainda nos anos 1930. E a protagonista não faz parte da realeza do emancipado chinês, muito pelo contrário – trata-se de uma refugiada russa, que para escapar da tirania revolucionária do seu país acaba encontrando abrigo em outro país, porém sem as regalias a que estava acostumada. Nas condições a que está sujeita, para sobreviver, precisa trabalhar como prostituta e entreter marinheiros e turistas de todos os cantos do mundo – assim como várias garotas na mesma situação. Mas se os tons da sinopse podem ser lidos de modo sombrio, é bom não esquecer que estamos diante de uma produção chapliniana, acima de tudo, e o discurso assumido é, inevitavelmente, o da comédia. Para o bem, e para o mal.
Somente pela reunião destes três nomes – Charles Chaplin, Sophia Loren e Marlon Brando – este já seria um filme que merece ser visto. A Condessa de Hong Kong, ainda que tenha falhas evidentes, é mais do que apenas uma reunião eventual de três talentos ícones em seus campos. Mesmo já beirando os 80 anos, Chaplin mantinha o olhar vivo para a comicidade de cada situação por ele criada, e mesmo sua rápida aparição em cena como um velho camareiro coloca em evidência uma presença vívida, ainda que distante, como o mestre que observa seus pupilos a uma distância segura. A esses – muito mais Sophia do que Brando, que fique claro – cabem a tarefa de substituí-lo, sejam em gags bastante físicas – roupas largas, entra e sai de portas que abrem e fecham para lugar nenhum – ou em diálogos rápidos e afiados, deixando claro que o gênio do cinema mudo era assim por preferência, e não necessidade.
La Loren é Natascha, a moça que vive uma realidade infeliz até que identifica uma oportunidade de mudança. Essa se manifesta na presença do diplomata norte-americano Ogden (Brando), em passagem por Hong Kong. Após uma noite de festa e bebida da qual nenhum dos dois recorda muito bem no dia seguinte, quando ele acorda, já em seu navio prestes a zarpar, a encontra trancada no seu armário. Mas ela não está ali por acaso – tudo faz parte de um plano de fuga. Quer ir embora, chegar à América e começar uma vida nova. Ele não vê nenhuma graça nisso, e fará de tudo para se livrar da convidada indesejada. Mas como tirar Sophia Loren – ou Natascha, se assim preferirem – do seu horizonte uma vez que ela própria insiste em ali permanecer?
O arquétipo narrativo empregado é o dos mais corriqueiros em comédias românticas – e se assim já era nos anos 1960, imagina hoje em dia, mais de cinco décadas depois. Os dois se conhecem, sentem um tipo de atração entre sexual ou afetiva, mas assim que ficam juntos logo começam a brigar, para fazerem as pazes apenas no final, quando partem, enfim, ao esperado “final feliz”. E que não chamem isso de spoiler, pois, quem esperaria por algo diferente? O prazer, aqui, então, está mais no durante do que no destino final. Loren incorpora com precisão a figura burlesca e atrapalhada que Chaplin por anos viveu nas telas, sendo uma substituta à altura em graça, acrescida de uma beleza ímpar. Ela, que foi convidada pessoalmente pelo diretor para ser sua protagonista, faz gato e sapato com o que lhe é oferecida – é impossível não torcer por sua sorte! – ainda que tenha pouco à disposição. É quase um esquete teatral – a trama inteira se passa quase que em um único cenário – que ganha pontos pela curiosidade e por um deleite que se encontra além da tela.
As histórias dos bastidores se tornaram mais notórias do que o filme em si. Sophia deu um tabefe na cara de Brando quando esse a agarrou a força para lhe roubar um beijo fora das câmeras (“Nunca mais faça isso”, teria lhe dito), e ele acusou Chaplin de ser um carrasco autoritário que não ouvia ninguém. É visível, no entanto, a má vontade do astro com um personagem aristocrático que o deixava engessado, além de estar a serviço de um roteiro composto mais por situações do que uma linha narrativa concisa. Sua mudança, de antipatia para paixão, por exemplo, é feita sem nuances ou equilíbrio, indo de um extremo a outro sem muito cuidado. Em sua autobiografia, Loren afirma ter percebido o sofrimento de Chaplin durante todo o processo de filmagem, como se estivesse diante de um ambiente hostil, do qual não tivesse mais controle. Isso se vê em cena, também. Os atores estão soltos, e a história, que talvez funcionasse no seu formato original, muda e em preto e branco, se torna mais um riso tímido do que uma gargalhada. A Condessa de Hong Kong é um adeus, mas não seu testemunho final. Sua genialidade pode ser vista, sim, porém em respingos. É quase como um cartão de visitas ou uma amostra de tudo que fora feito antes. E se assim for, que sirva, portanto, de porta de entrada. É o fim, mas é também apenas o começo.
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