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Crítica


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Sinopse

Pietro, 33 anos, é professor de uma escola na periferia de Roma, Itália, e é muito querido pelos alunos. Ele mantém um relacionamento com Teresa, sua ex-aluna dez anos mais nova. Ela é uma mulher brilhante, que adora testar os limites de Pietro. Em certa ocasião, Teresa propõe que eles confessem seus segredos mais obscuros, fazendo com que o rumo da relação mude completamente.

Crítica

Todos os relacionamentos são pactos. E eles podem ser selados de modos diferentes, a depender da natureza dos vínculos e das partes interessadas. Alguns são acordados graças a promessas de fidelidade, outros mediante ganhos mútuos e há ainda os firmados por ocasião de contratos. Às vezes é tudo isso junto e muito mais. Em Segredos, o novo filme de Daniele Luchetti, Pietro (Elio Germano) é aquele tipo de professor entusiasmado que motiva alunos, mais tarde reconhecido por defender a ideia da pedagogia do afeto – tese que contrapõe décadas de ensino baseado na autoridade docente. E Pietro se interessa particularmente pelo talento de Teresa (Federica Rosellini), jovem em tudo diferente dele, pois aparentemente muito menos severa e mais espontânea. Preocupado com o fato de ela não se interessar pela faculdade, ele vai procura-la depois do término das aulas e os dois acabam dando vazão ao interesse sexual que ambos nutriam pelo outro veladamente. Luchetti não está interessado pelo eventual escândalo de um professor namorando a sua ex-aluna, por isso mesmo apresenta somente uma cena em que os pudores dele falam mais alto nesse sentido. Contudo, até mesmo o trecho serve, sobretudo, para pontuar a diferença fundamental entre as personalidades dos amantes, pois Teresa percebe a vergonha do namorado e faz questão de demarcar a sua posição como uma parceira legítima.

Segredos

Segredos acompanha tudo a partir da perspectiva masculina, primeiro a do homem guiado pelo desejo e pela admiração que engata romance com a ex-aluna atraente sexual e intelectualmente. Segundo, a do indivíduo com medo de ser exposto, especialmente depois de selar o seu compromisso com Teresa por meio do compartilhamento de um segredo potencialmente danoso. Em meio a uma crise conjugal, os dois confidenciam aos sussurros coisas pretensamente inomináveis que têm a capacidade de destruir as suas respectivas reputações. Uma vez que o namoro é rompido pelo desgaste de outros selos desse pacto relacional, o protagonista vira refém da sensação de suspense: e se Teresa, por algum motivo, resolver abrir a boca e anunciar ao mundo algo que pode arruinar a sua imagem? Tendo isso em vista, pode-se imaginar uma narrativa carregada de tensão, focada nas suposições do protagonista dado a criar cenários catastróficos a partir de meras possibilidades. Portanto, espera-se que ele escale rumo à paranoia. E isso acontece apenas em parte. No geral, o longa-metragem contempla, além dessa cisma de Pietro, também a ascensão do professor por força de sua tese que chega ao Ministério da Educação, a investigação do casamento do homem com a ex-colega de trabalho, e nos propõe pequenos questionamento sobre ética pessoal. Sempre encarando Teresa como ameaça latente.

Ainda que apresente personagens bastante interessantes envoltos em situações potencialmente conflitivas, Segredos perde um pouco o impacto dramático pelo excesso de pontas soltas e pela maneira pouco afirmativa de lidar com interrogações de natureza moral/ética. Daniele Luchetti opta pela sobriedade, cuidando para nunca pesar a mão, seja ao mostrar as tensões entre os personagens ou ao denunciar as suas contradições. Pietro protagoniza longas cenas familiares com leves curtos-circuitos decorrentes dos anos de convivência (nada que signifique muita coisa para o filme, além de substância para o aspecto matrimonial), demonstra desconforto sempre que submetido às menções à Teresa ou mesmo à sua presença. Todavia, o filme opta por não acelerar rumo a definições ou sentenças. Aparentemente, Luchetti se esforça muito para não julgar Pìetro, tampouco fazendo ouvido de mercador ou vista grossa às ambivalências de seu comportamento. O protagonista é um homem que busca fazer o bem, ser um pai e marido responsável, além de referência para os seus alunos. No entanto, é capaz também de ser emocionalmente irresponsável e ter atitudes íntimas bem pouco condizentes com o admirado comportamento público. Mas, o diretor somente pontua as contradições, nunca mergulhando vigorosamente neste ou naquele aspecto em prol de um panorama amplo. O resultado é vago.

Talvez o principal calcanhar de Aquiles de Segredos seja exatamente a forma como a personagem principal feminina é construída. Teresa é uma figura cativante e deliciosamente imprevisível até ser depositária do segredo escabroso de Pietro e confidente dos próprios “pecados”. A troca que deveria selar o amor entre eles cria uma expectativa degenerativa, como se fosse uma mordida inoculando o veneno capaz de afetar drasticamente a confiança que sustenta a relação. Luchetti poderia ter enfatizado que a visão de Teresa como ameaçadora se dá a partir do olhar de Pietro, ou seja, com ela supostamente assumindo posturas hostis tão e somente porque seu ex-namorado é um sujeito paranoico fadado a criar cenários catastróficos. Porém, o filme não constrói a nossa conexão com ela a partir da mediação desse olhar viciado dele, assim deixando Teresa à mercê de uma percepção necessariamente pouco lisonjeira. Trocando em miúdos, como a produção não investe na identificação do prisma contaminado de Pietro, tudo o que vemos ganha um caráter mais objetivo. Assim sendo, assumimos a cada aparição de Teresa que ela é, de fato, perigosa e coloca toda uma reputação em risco pelo simples fato de existir. Valendo-se da trilha sonora composta por Tom Yorke (líder da banda Radiohead), Daniele Luchetti apresenta cenários e dinâmicas instigantes, mas nem sempre é tão bem-sucedido ao determinar causas e consequências. O resultado é um drama competente que tinha tudo para ser um bom thriller.

Filme visto durante a 11ª 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2024

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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