Crítica
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Sinopse
Heloisa Passos, a cineasta, é filha de Álvaro, um engenheiro civil que viveu seu auge na carreira durante a ditadura militar no Brasil. No entanto, o momento que para ele foi uma oportunidade de mostrar seu trabalho, para outros, como para sua própria filha, foi um tempo marcado pelo autoritarismo. Agora, entre memórias do passado e um futuro incerto diante da atual instabilidade política no País, pai e filha procuram outras formas de enxergar o mundo.
Crítica
Construindo Pontes se filia a uma leva de filmes, mais ou menos parecidos, especialmente quanto às intenções primárias, que servem aos realizadores como meios para enfrentar questões familiares. Neste caso, a cineasta Heloisa Passos vai ao encontro do pai, utilizando a divergência político-social como fio condutor, a fim de apresentar uma relação essencialmente conflituosa. Instigada por uma série de registros antigos do Salto das Sete Quedas, monumento natural submerso pelas demandas da Usina Hidrelétrica de Itaipu, ela procura fazer associações poéticas, especialmente tendo a água como signo central, para trazer contornos mais transcendentes à observação doméstica que domina a cena. Álvaro Passos, pai da realizadora-narradora, foi um engenheiro proeminente num período de grande profusão de obras no Paraná, não à toa, exatamente no governo dos militares. Esse homem beirando os 80 anos fala repetidas vezes do plano desenvolvimentista dos milicos, demonstrando entusiasmo.
Diversas ocasiões em Construindo Pontes são marcadas por atritos. Pai e filha acabam discutindo, invariavelmente, assim que suas leituras de mundo se chocam. Ela, mais à esquerda, vocifera quase descontrolada de raiva diante da admiração dele pelo juiz Sérgio Moro. Geralmente fora de quadro, expondo apenas a imagem do “adversário”, entre réplicas e tréplicas, Heloísa aborda questões como a parcialidade da mídia nos recentes processos de investigação da corrupção no Brasil, se colocando numa posição diametralmente oposta a do homem que, sintomaticamente, chama a ditadura civil-militar de “revolução”. A simples utilização dessa palavra traz consigo, inserida numa perspectiva histórica, todo um peso ideológico. O comportamento da cineasta é frequentemente impositivo, até mesmo agressivo. Ela até se explica, dizendo não gostar de quem é na companhia do pai, mas segue expressando veemente indignação, chegando a interromper suas falas ufanistas e retrógradas na metade.
Em determinados momentos, são deflagrados instantes de dramatização, alguns banais, como o pai cortando grama calmamente no quintal, outros mais emblemáticos, que nos fornecem chaves à desconfiança da veracidade de muita coisa, realmente, próxima do artificial. Não são poucas as passagens em que a fala de Heloísa soa demasiadamente didática e empostada, como se ela estivesse dando uma aula (previamente preparada) de cidadania, sob o pretexto de esclarecer as coisas ao pai que efetivamente perdeu o bonde da História. Outra fragilidade é a necessidade de dissecar o processo, justificando permanências e ausências, explanando acerca dos motivos pelos quais resolveu deixar a câmera ligada e quando, na sua concepção de cinema, foi melhor prescindir do registro. Dentro desse itinerário de tensões que se propõe a fazer um inventário, ao mesmo tempo, da situação política do país – dos anos de chumbo à crise da atualidade – e da gênese das desavenças com o genitor, há uma reiteração rançosa.
Ao invés de expandir seus pontos focais, bem como os elos possíveis entre eles, Heloísa prefere reincidir em dinâmicas logo absorvidas. Construindo Pontes parte de um lugar bastante pessoal, tocando questões relevantes, mas parece empenhado excessivamente em discutir metodologia e cristalizar um exemplo, grosso modo, da polarização reinante na contemporaneidade. De ambos os lados não parece haver disposição ao diálogo, à troca, mas ao pingue pongue, no qual, inclusive, a cineasta se orgulha de ser “muito boa, assim como pai”. Outro indício de um senso contraproducente de autoimportância é a insistência em transições supostamente líricas. Uma cena, especificamente, serve somente para entendermos a cineasta como uma artista intuitiva, que construiu seu filme entre a montagem e a filmagem, ou seja, sem planejamento prévio, na base da inspiração e ao sabor dos ventos. Ali se deflagra uma diferença de visões de vida, sem dúvida, mas sobressai o impulso de parecer relevante.
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