Crítica
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Sinopse
Adolf Hitler, Benito Mussolini, Josef Stalin e Winston Churchill estão no purgatório conversando enquanto esperam Deus abrir as portas do paraíso. Eles têm as companhias ocasionais de Napoleão Bonaparte e Jesus Cristo.
Crítica
O cinema do realizador russo Aleksandr Sokurov tem a História e o exercício do poder como dois temas recorrentes. É dele a Tetralogia do Poder, que fala exatamente da corruptiva natureza da autoridade: Moloch (1999), sobre Adolf Hitler, Taurus (2001), sobre Lênin, O Sol (2005), sobre o imperador japonês Hirohito, além de Fausto (2015), adaptação baseada na obra homônima de Johann Wolfgang von Goethe. Em Conto de Fadas, o realizador que estava há quase 10 anos sem lançar um longa-metragem – o último havia sido Francofonia: Louvre Sob Ocupação (2015) – faz uso de ferramentas de inteligência artificial para construir um conto satírico e sombrio em que grandes personalidades políticas do século 20 dialogam no purgatório enquanto aguardam Deus abrir os portões do paraíso. Partindo de imagens de arquivo e as manipulando por meio de técnicas digitais, o cineasta faz interagirem Adolf Hitler, Benito Mussolini, Josef Stalin e Winston Churchill, eventualmente buscando num passado ainda mais longínquo as figuras de Napoleão Bonaparte e Jesus Cristo. As perambulações e divagações dos personagens acontecem num cenário monocromático, criado a partir de fotografias, pinturas e esboços igualmente animados para ganhar aspecto vivo. Tendo em vista o interesse de Sokurov por essas personalidades, bem como a importância histórica delas, poderíamos esperar um drama obscuro. Porém, nada disso.
Conto de Fadas é mais bem humorado do que a premissa pode sugerir. Enquanto perambulam pelos cenários animados, cujo visual é impressionante pela força representativa, os líderes se mostram menos altivos do que a História os faz parecer. Aleksandr Sokurov não está em busca de um revisionismo por meio da especulação fantástica, tampouco procura fazer comentários simplesmente pejorativos sobre alguns líderes. Ele descontrói a grandeza desses homens excessivamente apegados às suas manias mesmo depois da morte, um enorme contrassenso tendo em vista que as batalhas já foram perdidas e a existência deles agora é condicionada pela espera de uma aprovação divina. Hitler é visto como uma mala-sem-alça sempre enchendo o saco de alguém com as suas observações sobre coisas pequenas e comuns, como os odores (em determinado momento, ele fala que Stalin cheira a ovelha). Mussolini e Stalin discutem para chegar a um consenso sobre quem foi mais discípulo de Lênin, com o italiano exibindo as suas características caretas e o soviético tendo uma postura bem mais rígida e sisuda. Por sua vez, Churchill é um resmungão que vive questionando coisas sobre a rainha da Inglaterra, alguém que disfere palavras cortantes contra os demais finados poderosos e fica na expectativa de que a mandatária morra para lhe conceder a honra de sua presença. O saldo é muitas vezes divertido.
Todavia, Conto de Fadas impõe um desafio ao espectador na medida em que não apresenta muitas variações, seja do ponto de vista temático ou estético. Nos seus quase 80 minutos, o longa-metragem repete as deambulações existenciais meio ridículas de homens poderosos que tentam manter a pompa com discursos terrenos deslocados pela experiência no purgatório. Uma vez que o espectador está acostumado ao visual, compreendeu a proposta narrativa e capturou a essência da releitura de cada personagem, o filme se transforma numa reiteração um tanto monótona. Esse efeito é relativamente calculado para transmitir a sensação de suspense à qual Hitler, Mussolini, Stalin e Churchill são submetidos enquanto aguardam a sua passagem para o reino dos céus. Mas, filmes sobre tédio não precisam ser entediantes, certo? Voltando à trama, nela mesmo os ateus são colocados em suspense pela aprovação de um Deus escondido atrás de portas enormes que, inclusive, Hitler diz só poderem ser obra dos alemães por sua perfeição. Aliás, o ufanismo germânico é outro ponto elevado à potencia do exagero para provocar graça. Não bastasse continuar com a sua postura bélica de aspirante a imperador do mundo enquanto transita pelo purgatório, Hitler continua antissemita e elogiando uma suposta autoridade ariana. Sokurov, que passou boa parte da carreira tentando compreender o poder, aqui o ridiculariza.
Ao destronar esses homens que mudaram drasticamente os rumos do século 20, Aleksandr Sokurov faz um gesto político criativo de contestação da estatura dessas figuras, principalmente de questionamento sobre a capacidade que elas tiveram de arregimentar multidões com suas ideias. Por mais que não seja do tipo rasgada, Conto de Fadas é uma comédia, daquelas que remontam aos primórdios do gênero, quando o chiste era utilizado para contar a verdade aos (e sobre) poderosos num tom jocoso que servia de escudo. Se nos longas anteriores o cineasta russo fez ponderações mais solenes a respeito da natureza e do usufruto do poder, aqui ele utiliza a tecnologia em prol de uma brincadeira especulativa sobre o que teria acontecido se esses homens se encontrassem num pós-morte. A admiração deles, principalmente a de Hitler, por Napoleão Bonaparte fazem do estadista e líder militar francês um mito inspiracional (tanto que ele aparece sempre enevoado, como se fosse realmente uma ideia). O caráter provocador do filme pode ser identificado também pela convivência desses sujeitos caracterizados por suas desmedidas manias de grandeza com um Jesus Cristo desgastado pelas companhias e, de certa forma, também meio indignado por seu pai não ter dado um destino aos colegas de ocasião. Uma pena que Sokurov não evolua essa conjectura inteligente e fique repetindo procedimentos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
Celso Sabadin | 7 |
Chico Fireman | 5 |
Alysson Oliveira | 8 |
Francisco Carbone | 9 |
MÉDIA | 6.8 |
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