Crítica
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Sinopse
O último reduto da civilização humana entra em guerra após o sequestro de uma jovem em 2165. O problema é que para salvar o planeta será preciso contar com um rapaz que vive em 1999.
Crítica
Pedro de Lima Marques é um diretor ousado. Diante de Contos do Amanhã (2020), é difícil acusá-lo de não apostar plenamente em sua ideia. Embora disponha de orçamento restrito e equipe limitada, ele se lança numa ficção científica pós-apocalíptica envolvendo naves espaciais, seres robóticos com raios lasers, cidades fantasmas, hologramas, telas translúcidas de comunicação virtual etc. A trama se divide entre duas temporalidades, uma no passado (ano de 1999), e a outra no futuro (ano de 2165), exigindo da equipe não apenas o resgate de uma realidade preexistente como a imaginação de um planeta destruído por fenômenos naturais daqui a 145 anos. A aposta pode ser considerada corajosa ou ingênua, à escolha. A ausência de grandes fábulas de ação e aventura no cinema brasileiro não se justifica pela falta de interesse dos criadores, muito menos pela falta de capacidade para tal. Há um obstáculo evidente de ordem financeira – e os melhores criadores são aqueles capazes de ajustar o seu conceito à produção disponível. Mesmo 3% (2016-2020), série brasileira criada da Netflix, foi criticada pela fraca caracterização futurista. Por isso, a cada projeto que se arrisca por um terreno tão delicado, aguarda-se o resultado com um misto de curiosidade e apreensão.
A parte realista, situada em 1999, oferece os melhores momentos do filme. Bruno Barcelos constitui uma boa escolha para o protagonista em crise, trazendo uma mistura de indiferença e vigor que convêm ao adolescente. No entanto, desde este segmento retrô, alguns elementos destoam do naturalismo, sobretudo no que diz respeito à direção de fotografia. Marques (também roteirista, produtor, diretor de arte e montador) trabalha com imagens “lavadas”, sem contraste nem saturação, bastante superexpostas tanto nas cenas externas, em frente à escola, quanto no quarto de Jeferson. A câmera na mão procura imprimir um nervosismo desproporcionado, pelo menos na primeira metade, movida por personagens que conversam em duplas ou trios, parados no enquadramento. Mesmo o inesperado sequestro de Bia (Duda Andreazza) não surte efeito significativo: não há amigos preocupados, nem policiais procurando pela jovem. A vida segue seu ritmo tranquilo, a mãe mantém os plantões, e o melhor amigo da escola parece ter se esquecido do caso dois dias depois. O abismo entre o passado blasé e o futuro pós-apocalíptico é tão profundo que o filme pena para unir estas duas pontas de maneira satisfatória. Ao menos, no retrato de cerca de vinte anos atrás, o teor desafetado da estética e das atuações poderia representar a percepção de tédio do garoto em relação ao universo adulto.
As coisas se complicam bastante com o segmento futurista. Os quiproquós envolvendo o Zero, o Fantasma, os diários virtuais de pessoas presas em cidades-estado, o Núcleo e o Opus One, seriam rocambolescos por si só caso estes elementos aparecessem em cena. Ora, o roteiro precisa narrar tudo o que ocorreu no passado, o que está acontecendo no presente e o que poderá acontecer no futuro, pois estes conflitos não estão presentes em imagens. Não se vê a guerra, nem a briga pelo controle pelo tal núcleo. Não se descobre como funcionam as cidades-estado, muito menos as justificativas concretas para colocar Michele (Daiane Oliveira) e Jeferson na posição de elos temporais capazes de salvar o mundo do apocalipse. Não basta aplicar filtros azuis invasivos, imaginar telas translúcidas e vestir os personagens com camisolas brancas: o imaginário de um futuro distante precisaria de muito mais esmero do que isso. O trecho envolvendo brigas entre vilões vindos de naves cúbicas beira o humor involuntário pela caracterização exagerada dos atores, semelhantes aos personagens malvados de contos infantis. (Aliás, “Nós somos o futuro, Andréa!” soa como o equivalente brasileiro de “You’re tearing me apart, Lisa!”).
Este constitui um problema fundamental de Contos do Amanhã: ele não imprime verossimilhança em nenhum de seus personagens ou conflitos. A ficção científica se baseia numa composição simplificada demais, incluindo tantos filtros coloridos e névoas que se aproxima da paródia. A este propósito, o projeto se beneficiaria da introdução de certo nível de humor, em forma de autocrítica, ou ao menos de metalinguagem. Por se levar tão a sério, desperta ceticismo em torno de uma história plenamente contada, ao invés de representada. Ainda mais questionável seria a apropriação servil dos códigos norte-americanos, sem qualquer tipo de transformação ou ressignificação para uma obra brasileira. Por que o futuro tecnológico e/ou espacial é sempre azulado, com luzes piscando em telas transparentes, cidades repletas de arranha-céus onde todos os andares estão iluminados, e hologramas projetados sobre os prédios? Os clássicos dos anos 1970 e 1980 desempenharam um papel fundamental na construção de uma linguagem que constituía, na época, uma verdadeira revolução. Não é possível, cinquenta anos depois, reproduzir estes ícones sem perceber como o cinema e as sociedades se transformaram desde então. Havia um senso político e questionador naquelas obras, que se perde no exercício saudosista do projeto gaúcho.
Em paralelo, a trama sobre o adolescente comum que se descobre uma peça fundamental para salvar o mundo, tendo que resgatar a mocinha ingênua e duelar com um vilão malvado (cuja verdadeira identidade será revelada no final) constitui a estrutura mais desgastada da jornada cinematográfica do herói. Ele reproduz ideais de masculinidade (vide o triângulo amoroso com outra garota bonita) e de sujeição feminina rejeitados mesmo pelos novos filmes de Hollywood, enquanto reafirma chavões que nenhuma grande produção empregaria atualmente sem algum senso de autoironia (“Você é o único que pode salvá-los!”, “Eu só quero a minha vida de volta!”). Existe uma diferença imensa entre criar uma obra contemporânea que homenageie clássicos passados e construir uma obra contemporânea tentando se passar por um filme antigo. A mise en scène se revela limitada demais, enquanto alguns atores ou exageram, ou soam robóticos (caso de Daiane Oliveira). Para abraçar ambições tão grandes, dispondo de recursos são limitados, seria necessário encontrar recursos criativos que permitissem contornar dificuldades – vide o que David Lynch ou David Cronenberg fizeram pelo cinema fantástico a partir de orçamentos minúsculos. Seria possível brincar com sugestões sonoras, com insinuações fora de quadro, com trechos em animação, com reflexos, sombras etc. Ao tentar replicar códigos ultrapassados, o filme escancara a distância entre a sua produção e os blockbusters aos quais faz referência.
Filme visto online no 48º Festival Internacional de Cinema de Gramado, em setembro de 2020.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 2 |
Cecilia Barroso | 3 |
MÉDIA | 2.5 |
Foi o pior filme que eu já assisti ao longo de meus 46 anos.
Respeito a crítica, até concordo com alguns dos pontos de vista levantados e apontados, porém, me parece que foi muito negativamente contundente. Por quê? Será que havia uma grande expectativa que foi frustrada pela exibição? No meu caso eu não tinha expectativa nenhuma, assisti por curiosidade o filme e, confesso, me surpreendi nos 30 minutos finais, e muito do que havia se fez sentido (inclusive o lado "blasé" do personagem, caso o crítico não tenha percebido - e só não falo porque não quero dar spoiler). Mas o filme, embora tenha seus percalços no roteiro (diálogos principalmente), o enredo em si é muito bom, sendo que se o vestuário peca por camisolas brancas, os efeitos especiais (VFX) são show de bola. Sim, não são nada ultra-moderno ou radical vanguardista, porém, são eficientes e cumprem o propósito. O filme, com toda sinceridade, vale à pena ser assistido.