Crítica
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Sinopse
Um escritor britânico que acabara de dar uma conferência na Toscana, Itália, sai para conversar com a dona de uma galeria de arte francesa. Aos poucos, o vínculo entre eles começa a ser (re)significado.
Crítica
Um homem e uma mulher. Tudo começa a partir da união entre um homem e uma mulher. Dois pólos opostos, mas complementares. A vida surge a partir da combinação destes sexos. Estou falando de criação, e não de desejo, amor, tesão, relacionamentos em geral. O foco aqui é o ato de criar. E é disso que fala também Cópia Fiel, um dos filmes mais impressionantes a surgir no último ano. Como se cria, como algo belo e provocador pode surgir simplesmente do nada? Aliás, o nada existe? Ou tudo vem de algum outro lugar? A velha máxima de que “nada se cria, tudo se copia”. E se tudo não passa de inspiração para algo novo, o que pode ser apontado como definitivamente original e o que não passa de puro plágio? Num mundo como o nosso, em que as reproduções se espalham com uma velocidade cada vez mais impressionante, conceitos como esses – original, cópia, plágio, criação... – ainda encontram espaço?
Em seu primeiro trabalho fora do Oriente Médio, o mais importante cineasta iraniano da atualidade, Abbas Kiarostami, escolheu a festejada atriz francesa Juliette Binoche e o renomado barítono inglês William Shimell (aqui em sua estreia cinematográfica) para irem com ele à Itália e, juntos, comporem esse Cópia Fiel, um longa que já no título propõe uma intrigante brincadeira: que cópia pode ser exatamente fiel? E que fidelidade é essa: à obra original ou aos anseios do artista? Os limites entre criatividade e as simples imitações são discutidos, em cena, por esse homem e por essa mulher. Mas as indagações começam ainda antes: as opiniões deles mudariam caso as relações estabelecidas entre eles fossem diferentes? O que um significa exatamente ao outro? Amigos, conhecidos, marido e mulher, meros estranhos: cada posição pode gerar um resultado diferente, e assim sendo, terá validade esse debate?
James Miller (Shimell) está na Toscana para promover seu mais recente livro, apropriadamente intitulado Cópia Fiel. Após uma palestra, uma das ouvintes da plateia se aproxima dele para continuar a discussão a respeito do tema levantado – justamente, o que pode ser considerado verdadeiramente inédito e único nos tempos atuais. Elle (Binoche) acredita ter muito a acrescentar sobre o assunto, e o que no princípio parecia ter sido motivado apenas por curiosidade e pela falta de ter algo melhor do que fazer acaba se tornando mais profundo. Miller passa não apenas a ouvir, mas também a considerar os argumentos levantados por aquela mulher, uma francesa que cria sozinha o filho único, perdida no interior da Itália. O clichê que ele havia imaginado para ela logo se desfaz, e o que vemos é o começo de uma nova situação, aos poucos se configurando. Ele está ali para ensinar ou aprender?
Mas será nesse momento em que o filme dará uma virada. Durante o passeio dos dois pela vila de Lucignano, são confundidos como se fossem um casal, durante uma pausa para um café. Tomados pelo engano, encaram a farsa como verdade e assumem a brincadeira. Eles próprios, portanto, passam a encenar o que até poucos momentos antes discutiam: mentira ou realidade? E a conversa fica ainda mais curiosa quando percebemos que, tomados pelos sentimentos de um relacionamento amoroso, o questionamento entre eles se torna ainda mais forte e profundo. Não há espaço mais apenas para o racional – com a adição do emocional tudo ganha cores mais fortes e marcantes. A ponto dos personagens trocarem seus próprios papéis, chegando ao ponto de que não existirá conceitos pré-estabelecidos: tudo poderá ser alterado de uma hora para outra, bastando para isso um entendimento mútuo.
Juliette Binoche foi premiada como Melhor Atriz no Festival de Cannes por esse desempenho, e um reconhecimento como esse é no mínimo justo diante tamanha entrega e dedicação. Já agraciada com um Oscar (por O Paciente Inglês em 1996) e mundialmente identificada como uma das maiores musas do cinema francês (de filmes como A Liberdade é Azul, 1993, e Caché, 2005), ela aqui mostra que está longe de se acomodar, apresentando uma performance digna de constar entre as melhores de qualquer ano. Mas o maior mérito mesmo é de Kiarostami, que consegue oferecer uma obra completamente inovadora, mostrando que o que discute é respondido não pelo que se ouve, mas, sim, pelo que se vê. O filme em si é o melhor exemplo, justificando qualquer opinião a respeito. Quando há qualidade, qualquer cópia se torna melhor do que o original. E a partir de então o que importa é o que fica na memória, seja em qual ordem se manifeste.
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