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Sinopse

Dom Paulo Evaristo Arns foi um importante cardeal brasileiro que defendeu os Direitos Humanos enfrentando o regime militar. Construiu centros comunitários na periferia para que a população de baixa renda de São Paulo se reunisse, organizasse e reivindicasse por seus direitos fundamentais.

Crítica

Distante de um olhar estritamente religioso, o cineasta Ricardo Carvalho aborda Dom Paulo Evaristo Arns a partir de sua disposição para contrapor-se aos desmandos da Ditadura Civil-Militar. Todavia, o desenvolvimento do filme nos mostra uma vontade, pregressa e basilar à manifestada inicialmente, de registrar o profundo respeito que esse homem tinha por seus semelhantes, pois ele se empenha, antes de tudo, a fim de garantir dignidade aos desvalidos. A atuação de Dom Paulo na resistência durante os anos de chumbo é uma espécie de linha-mestra, da qual emanam os demais exemplos dessa entrega que extrapolou sua posição na Igreja Católica. Estruturado em capítulos, Coragem: As Muitas Vidas do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns é um tributo à bondade de quem, em incontáveis vezes, colocou os interesses de outrem à frente dos seus. O elogio dessa virtude presente no cerne do pensamento cristão – dificilmente seguido à risca, haja vista a hipocrisia reinante – fundamenta o documentário.

Cinematograficamente falando, Coragem: As Muitas Vidas do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns demonstra uma série de fragilidades, a começar pelo esqueleto simplista do roteiro. Imageticamente, a linguagem é alinhada à televisiva, característica ampliada pela narração do ator Paulo Betti, cuja personalidade não consegue dirimir o traço jornalístico. O conjunto, portanto, vale mais pela quantidade de informações transmitidas que necessariamente por qualquer engenhosidade formal que possa se destacar. Os únicos elementos que contradizem tal tendência são as inserções sonoras, vide a Oração de São Francisco, cantada lindamente por Maria Bethânia, ao mesmo tempo, reza e estandarte da luta de Dom Paulo nos tempos nefastos. Essa amplitude oriunda da justaposição dos signos é excepcional na urdidura, no geral, bastante ordinária, meramente funcional, proposta abertamente por Ricardo. Todavia, essa pobreza gramatical não reduz a importância da trajetória desvelada com paixão.

É particularmente emocionante, embora subaproveitado, o resgate da participação de Dom Paulo no episódio que culminou com a morte do jornalista Vladimir Herzog, brutalmente assassinado por capangas a serviço da Ditadura e declarado suicida por eles. Coragem: As Muitas Vidas do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns se restringe, nesse ponto, a ouvir a viúva e o filho de Vlado e recuperar o emblemático ato ecumênico na Catedral da Sé, no qual o então arcebispo denunciou abertamente o homicídio, para isso lendo um salmo que maldiz aqueles dispostos a sujar as mãos com o sangue dos irmãos. O campo político não é esquecido no decorrer do filme, pois atravessado, invariavelmente, pelas ações do religioso, principalmente no que tange ao seu trabalho junto aos operários e moradores de rua. Ricardo busca deflagrar a neutralidade de Dom Paulo, tanto apresentando indícios da participação dele nos governos do PSDB quanto a sua relevância à gênese do PT, o partido dos trabalhadores.

Coragem: As Muitas Vidas do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns possui um bom material de arquivo à disposição, bem como depoimentos pontuais, que auxiliam nesse processo mais jornalístico que propriamente cinematográfico, devido a sua roupagem. Entretanto, sobressai uma admiração latente, a observação carinhosa dos feitos de um sujeito que viveu em prol de seus semelhantes, não medindo esforços, inclusive colocando a vida em risco ao afrontar militares e até o presidente da república indicado pelo Exército. Felizmente, Ricardo Carvalho não se dispõe a relacionar umbilicalmente a bondade de Dom Paulo ao fato dele ser cristão, ou algo que o valha, chegando até a mencionar uma perseguição da Cúria Romana (corpo administrativo que auxilia o Papa a exercer seu poder) ao catarinense de nascimento, paulistano e corintiano de coração, quando ele se tornou relevante no cenário latino-americano. Trata-se de um filme singelo, mas que transborda reverência.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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