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Sinopse
Um dos grandes problemas para o avanço das causas c é a falta de representatividade da comunidade nos quadros políticos Brasil afora. Mas, as eleições de 2020 tiveram um marco histórico de vencedores diversos.
Crítica
Nos anos posteriores ao impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, “resistência” se tornou uma palavra de ordem. E, sobretudo após a eleição do extremista Jair Bolsonaro ao mais alto posto do poder Executivo do Estado Brasileiro, determinadas populações se sentiram em iminente risco. Também pudera, pois, incentivados pelo discurso de ódio do ex-parlamentar incompetente por 30 anos, e que nunca teve vergonha de ser racista, machista e homofóbico, valentões agressivos se sentiram fortalecidos em suas posturas abertamente segregadoras. Portanto, resistir passou a ser um verbo de uso comum entre maiorias minorizadas. Corpolítica propõe um recorte interessante dessa constante luta por subsistência. Sua premissa dá conta de quatro campanhas políticas de membros da comunidade LGBTQIAPN+ na eleição de 2020 às câmaras de vereadores de Rio e São Paulo: as lésbicas cariocas Andéa Bak e Monica Benício, o gay paulistano William de Lucca e a trans também paulistana Erika Hilton. A ideia central é acompanhar essa força de contra-ataque à onda repressora, em meio a isso analisando a importância da representação LGBTQIAPN+ na esfera legislativa da política brasileira. Para tanto, o diretor/roteirista Pedro Henrique França escolhe um formato conservador e tradicional, intercalando entrevistas, depoimentos e material de arquivo para revelar histórias semelhantes.
Corpolítica adiciona uma perspectiva rica ao debate sobre a situação da população LGBTQIAPN+ numa sociedade tão conservadora e obscurantista como a brasileira. Pedro Henrique França constrói um painel sintomático da urgência dessa disputa política que visa impactar de modo fundamental o cotidiano de homens, mulheres e pessoas não binárias. Pessoas estas que apenas reivindicam o seu direito constitucional ao exercício da cidadania. Então, é valiosa a costura das narrativas convergentes de corpos marginalizados que pleiteiam lugares nos plenários, lá onde as leis são propostas, debatidas, aprovadas e rechaçadas por representantes eleitos democraticamente. Porém, estritamente do ponto de vista da linguagem, enquanto objeto cinematográfico, o longa-metragem carrega uma espécie de conformidade com protocolos tradicionais do documentário jornalístico, algo que contradiz o ímpeto revolucionário dos personagens. Pedro Henrique França percorre um caminho conhecido, inclusive recorrendo a um membro da academia para legitimar o discurso central. Outro passo em falso que o filme dá diz respeito à sua falta de foco. Ainda que escolha quatro candidatos como exemplos de uma luta ampla, o realizador se apoia nas breves investigações pessoais como muletas para ocasionalmente desviar do diagnóstico dessa batalha político-partidária essencial à resistência.
Ainda no primeiro terço de Corpolítica, estrategicamente na fase de apresentação em que contextualiza personagens e os insere na história das eleições de 2020, Pedro Henrique França dá um passo atrás e conversa com as mães dos protagonistas. O resultado é muito parecido nos quatro casos, com lembranças de infâncias mais ou menos felizes e atenção depositada na receptividade materna (tardia ou não) à revelação sobre orientações sexuais ou percepções de gênero. E esse segmento é pouco produtivo por conter repetições (os relatos são muito parecidos) e não permitir a expansão do assunto para além da indicação de um consenso. Por exemplo, a mãe de Erika Hilton fala longamente a respeito da dificuldade no passado de aceitar a transexualidade da filha em virtude da fé religiosa que guiava a sua vida até determinado momento. Trata-se de uma oportunidade valiosa para discutir o papel da religião na hostilidade direcionada aos membros da comunidade LGBTQIAPN+. Essa situação poderia se conectar ao espectro político partidário a fim de expor a influência de bancadas evangélicas que barram reivindicações de grupos minorizados para atender agendas próprias. No entanto, o diretor perde um pouco de vista a inserção disso tudo no tecido político (vícios históricos e agentes influentes) ao encarar as bonitas superações familiares como modelos de solução de diferenças.
Outra opção questionável da direção é a ocasional dinâmica de perguntas e respostas. Com raras exceções, testemunhar o diretor formulando perguntas não acrescenta muito. O entrevistador não possui um estatuto de personagem, sendo restrito ao papel burocrático de questionador com curiosidade jornalística. Diferentemente do que acontece no cinema de Eduardo Coutinho, para citar uma abordagem documental conhecida, Pedro Henrique França não reivindica um posto para si na discussão e tampouco faz de sua presença uma provocação cinematográfica. Desse modo, se a montagem a cargo de Bem Medeiros fosse diretamente às respostas, excluindo as perguntas, o filme ganharia ritmo, sem prejuízos colaterais ao resultado. Pode-se também imaginar que efeitos Corpolítica teria se lançado durante ou pleitos ou imediatamente depois deles. Talvez a urgência resultaria em maior impacto histórico? Conjecturas à parte, o documentário se debruça de modo parcialmente bem-sucedido sobre uma pauta de suma relevância: a necessidade de diversificar os quadros políticos no Executivo e Legislativo a fim de que haja governança ampla e plural. Para isso, são escolhidas candidaturas sintomáticas (umas mais, outra menos investigadas) e apontados adversários e vilões, entre eles Fernando Holiday e Tammy Miranda, respectivamente homem negro gay e homem trans que evitam bandeiras LGBTQIAPN+. Pena que ao celebrar a revolução, o filme seja tão conservador enquanto cinema.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Robledo Milani | 6 |
Celso Sabadin | 7 |
Miguel Barbieri | 7 |
Ailton Monteiro | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
Monica Kanitz | 5 |
MÉDIA | 6.1 |
Caro, Cássio Primeiramente, muito obrigado por sua observação, a partir da qual foi feita a devida correção do erro grosseiro no texto. Entendo que numa realidade em que muitos teimam em tonar invisível a multiplicidade de identidades de gênero, sua primeira reação tenha sido a de me colocar em xeque, tentando deslegitimar o que eu teria a dizer sobre o filme. Porém, não te ocorreu, inclusive a partir do que escrevi ao longo de todo texto, supor que o erro poderia ser (como foi) um equívoco meu de revisão e não desconhecimento ou ainda má fé? E, mesmo se fosse ignorância, você acha que realmente a abordagem agressiva é a melhor saída para corrigir o erro? De toda forma, agradeço novamente sua intervenção, sem a qual esse lapso de revisão talvez permanecesse ali. Grande abraço e obrigado pela leitura
Marcelo. Há um erro crasso no seu texto. O Tammy Miranda é um HOMEM trans e não MULHER trans. Sinceramente, estou tão chocado com esse erro que ao perceber, já no fim do texto, que você não sabe essa diferença tão fundamental me faz duvidar da sua capacidade de poder analisar um filme LGBTQIA+.