Crítica


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Sinopse

Ventania tenta de tudo para mudar de vida. Depois de diversos bicos para pagar as contas, e com a grana cada vez mais curta, tem a ideia de ser empresário de futebol. É aí que conhece Glanderson, um garoto pobre, que apesar das dificuldades, tem muito talento.

Crítica

Jeferson De é um cineasta brasileiro que, desde seus primeiros trabalhos, sempre demonstrou duas nítidas preocupações: dar voz à comunidade negra e, ao mesmo tempo, não ficar restrito ao nicho, almejando uma comunicação de massa. Dois feitos que, ao menos até agora, ainda não conseguiu alcançar – ao menos não em conjunto, de forma simultânea em um mesmo projeto. Seu primeiro – e melhor – filme, o drama Bróder (2010), focado na realidade da periferia de uma grande cidade, foi premiado em festivais como os de Gramado e Paulínia, mas se mostrou restrito a um público de arte. Já o seguinte, O Amuleto (2015), tinha nomes de peso no elenco, como Maria Fernanda Cândido e Bruna Linzmeyer, além de ser uma tentativa de trama de gênero, mas frustrou as expectativas a respeito. Correndo Atrás, seu terceiro projeto, tem um tom mais leve do que o seguinte – M-8: Quando a Morte Socorre a Vida (2019), feito depois, mas lançado antes – o que, em tese, poderia facilitar seu acesso, ao mesmo tempo em que conta, em sua maioria, com apenas atores negros em cena, em uma história fortemente ligada a um tipo específico de comunidade. As intenções, portanto, parecem estar nos lugares certos. O tropeço, no entanto, vem da abordagem sobre esse material.

Essa busca por uma universalidade no discurso está em sua origem. Correndo Atrás é baseado no livro Vai Na Bola, Glanderson!, de Helio de la Peña, que além de autor e ator (está no filme como o personagem Berinjela), é também humorista, ex-integrante do finado grupo Casseta & Planeta. Como se percebe, trata-se de alguém habituado a se direcionar a um público mais global, digamos. Jeferson De combina o texto, que chega provido das flexões necessárias para evitar uma erudição complicadora, ao fato de abordar como tema uma verdadeira paixão nacional – tudo gira em torno do futebol. Mas comete o engano de entrar em campo seguro de estar com o jogo ganho. Assim, não se dá conta da necessidade de que, a despeito de estar de posse de elementos certeiros, é preciso também habilidade e paciência para integrá-los uns com os outros da melhor forma. O que se vê é uma disposição sem muito cuidado, determinante em prejudicar a fruição do todo.

Ailton Graça é um dos maiores atores nacionais, e seu feito por ocupar esse posto é ainda mais notável pelo fato de, fisicamente, estar longe do estereótipo do galã irresistível. A despeito disso, possui algo mais importante: carisma de sobra. O que garante, aliás, a atenção do espectador de Correndo Atrás pela maior parte da narrativa. Afinal, está presente em quase todos os frames, e mesmo quando não dispõe de muito com o que se trabalhar, seu esforço é visível. Ele aparece como Paulinho Ventania, um típico malandro carioca disposto a tudo para se dar bem. Devendo a Deus e todo mundo – da ex-mulher ao bandido mais perigoso da região – está sempre atrás de uma nova oportunidade que possa lhe garantir uma tão sonhada tranquilidade financeira. Essa surge ao conhecer Glanderson (Juan Paiva, que depois seria o protagonista de M-8), um garoto que adora uma pelada com outros moleques. E se destaca a cada jogo por um motivo simples: possui apenas três dedos no pé direito. O que a princípio seria uma desvantagem, se mostra determinante no controle da bola.

Há muito a ser desenvolvido no enredo, mas De se demonstra satisfeito em apenas entregar o que lhe é esperado. E, nesse caso, trata-se do sucesso dos planos de Ventania e Glanderson, por mais que esses se desenrolem por vias tortuosas. No caminho, curiosamente, diversas oportunidades vão sendo deixadas de lado. O histórico de Ventania como ex-jogador e ídolo do bairro é não mais do que mencionado, suas ligações com amigos e colegas de tempos passados surgem apenas para sanar necessidades pontuais, a relação com a ex-mulher é aleatória, formada por ameaças de prisão à retomadas amorosas, e o embate que se dá com o suposto vilão da trama – um dos seus credores – é tão gratuito que soa mais risível do que ameaçador. Glanderson, por sua vez, é não mais do que um clichê – o menino pobre que sonha ser jogador de futebol famoso – e mesmo o que lhe poderia servir como diferencial – o que há por trás desse pé com apenas três dedos? – não merece explicação, nem um olhar mais atento.

Com personagens perdidos que parecem não saber o que fazer até chegarem ao ponto ao qual estão destinados, há ainda um desperdício de participações especiais, como Lázaro Ramos, Antonio Pitanga, Juliana Alves, Tonico Pereira, Rocco Pitanga e até a novata Lellê, cada um indo e vindo a seu modo, sempre em aparições desajeitadas, servindo somos como ocupações episódicas aos protagonistas, sem oferecer conteúdo de fato relevante aos dois. Mesmo a ida a São Paulo, desde o início anunciada como golpe – seja pela rapidez como o ‘acerto’ se dá, como pela falta de experiência das vítimas – não chega a gerar uma expectativa factual, pois se vê descartável desde o princípio. Diante desse cenário, é compreensível o atraso que Correndo Atrás sofreu para, enfim, chegar ao seu espectador, tendo esperado cerca de 3 anos desde sua finalização até a estreia. Como saldo, apenas a oportunidade oferecida à Ailton Graça, que mesmo com tão pouco em mãos, opera verdadeiros milagres. Pena ser apenas um só, pois se múltiplo, talvez tivesse salvado o conjunto de uma incômoda irrelevância.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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