Crítica
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Sinopse
Inexplicavelmente, o detetive Jack Radcliff recebe um telefonema de sua sobrinha que fora recentemente assassinada. Juntos, eles precisam correr contra o relógio, e ao largo de suas regras, para evitar o crime.
Crítica
É compreensível a participação da Blumhouse em um projeto como Correndo Contra o Tempo (2019). A produtora tem construído uma tradição sólida do cinema de horror voltado ao medo da invisibilidade, traduzindo-se na fobia do outro e na fobia da diferença. A partir dos fantasmas convencionais de Atividade Paranormal (2007), começou a desenvolver narrativas mais sofisticadas em termos de discurso social e de linguagem cinematográfica. Surgiram projetos que testam os limites da relação entre seres solitários e casas inóspitas (O Homem Invisível, 2020, Ma, 2019), sociedades fascistas (A Caça, 2020, Corra!, 2017, Uma Noite de Crime, 2013) e o embate do indivíduo consigo mesmo (Nós, 2019, Cam, 2018). Não são necessários fantasmas nem monstros: o horror está dentro das famílias, nas vizinhanças. O suspense de 2019 dirigido por Jacob Estes também explora a invisibilidade, o medo do outro, o inesperado enfrentamento de uma pessoa consigo mesma. Após o policial Jack Radcliff (David Oyelowo) perder o irmão, a cunhada e a sobrinha num assassinato, ele começa a receber ligações desta última. Como a jovem morta poderia estar ligando? Está lançada uma investigação culminando no confronto entre dois Jack, duas Ashleys (Storm Reid), e duas temporalidades paralelas.
O conceito se traduz numa bela ideia de cinema. Primeiro, porque não busca explicar a sua premissa improvável. Vinte anos atrás, teria sido obrigatório dentro do cinema comercial lançar princípios científicos capazes de sustentar esta fantasia, ainda que adotando múltiplas liberdades em relação ao realismo. Ora, este roteiro apenas aceita o fato que isso aconteceu, talvez por milagre (a possibilidade de uma ajuda divina é explicitamente mencionada rumo à conclusão) ou por alguma falha cósmica aleatório. Segundo, o conflito permite que o tio carinhoso e sua querida sobrinha atuem em espaços e tempos separados, porém unidos pela montagem. Durante 80% da trama, David Oyelowo e Storm Reid se encontram sozinhos em cena, apavorados, porém a montagem faz com que eles literalmente dividam a mesma mesa de uma cafeteria e conversem ao telefone. Este é um dos únicos casos em que a alternância de plano e contraplano constitui, em si própria, um gesto de gênero, um movimento subversivo em direção ao cinema fantástico. Não há grandes perseguições, explosões nem corridas na história – a fuga da garota ocorre por calçadas vazias, ensolaradas e amigáveis. O dilema se constrói pela alternância cronológica entre duas histórias que não o são. O horror, neste caso, nasce com a montagem.
Infelizmente, a investigação policial recheando este exercício de linguagem se revela fraquíssima. As mortes de uma família inteira são imediatamente interpretadas como um assassinato seguido de suicídio, sem uma justificativa plausível para tal interpretação. Em seguida, Jack se torna suspeito no caso, algo explicitado numa cena absurda e sem qualquer consequência narrativa. As hipóteses do policial sobre a verdadeira motivação do crime (envolvendo datas num calendário, descoberta de uma associação criminosa etc.) ocorrem numa velocidade espantosa. Para ocultar tantas improbabilidades e conveniências, o filme simplesmente passa o mais rápido possível por elementos fundamentais à investigação (a janela pintada, a mochila, o guardanapo, as placas do carro, a caixa debaixo da cama), talvez para impedir que o espectador tenha tempo de perceber os inúmeros buracos da narrativa. Ninguém esperaria um desenvolvimento inovador, apenas algo construído com maior cuidado e respeito à lógica interna. Mykelti Williamson, Alfred Molina e Brian Tyree Henry são desperdiçados num quiproquó investigativo que sequer sustentaria um episódio de série procedural.
Além disso, em termos de produção, Correndo Contra o Tempo apresenta uma estética pouco polida para o padrão da Blumhouse. Os produtores aprenderam a extrair o medo de elegantes planos fixos (O Homem Invisível), de câmeras subjetivas tensas (Corra!) ou de um fluido trabalho com estabilizadores de imagem (saga Invocação do Mal). No entanto, Estes aposta numa câmera na mão tremida em excesso (chacoalhando ainda mais ao sugerir presenças sobrenaturais), para imprimir artificialmente o tom de urgência. O filme inteiro sustenta a cor azul-esverdeada, sem força nem contraste, próxima de uma escala cinzenta. Por que os criadores teriam optado por uma correção de cor tão pouco convidativa, sem variações, sem volume nem textura? Os espaços são mal aproveitados, assim como os deslocamentos dentro de casas e delegacias de polícia. A maior parte das cenas se concentra nos rostos esverdeados de Oyelowo e Reid, de olhos marejados e respiração ofegante, o que tampouco ajuda no arco narrativo. Ambos os atores são muito bons – Reid, em especial, se mostra incrivelmente talentosa e confortável diante das câmeras para uma atriz tão jovem -, porém não ganham um personagem complexo. Vemos uma aliança no dedo do policial, mas não há sinal de vida amorosa em cena. O único laço social mantido pelo homem adulto provém da amizade com a sobrinha pré-adolescente. Não haveria algo estranho nisso?
A trama se encerra com uma reviravolta previsível para qualquer fã de suspenses policiais, visto que esta revelação em particular reproduz um dos recursos mais utilizados dentro do gênero. Para o espectador, teria sido fundamental acompanhar cada suspeita sobre o crime junto de Jack, identificando-nos com ele e atestando o sucesso ou fracasso de cada passo da busca. No entanto, a trama atropela os fatos, expulsando o espectador do jogo. Somos apenas informados de descobertas efetuadas por terceiros, das quais não poderíamos participar. Não pode torcer nem temer por quem não conhece, e não podemos montar nossa própria imagem mental sem receber as peças do quebra-cabeça. Ao final, a descoberta do vilão importa pouco, porque não se havia tensão forte o bastante para sustentar o esperado choque da revelação. Restam algumas escolhas belas e raras dentro do cinema comercial (vide o diálogo inteiramente em off, sobreposto a uma cena não-referente), porém associadas a uma realização pouco cuidadosa e uma direção de fotografia inexplicavelmente negligente. A Blumhouse tem elevado o cinema B ao nível estético das melhores produções da indústria. No entanto, o trabalho de Estes e do diretor de fotografia Sharone Meier retornam à feitura habitual do home video, com tudo de confortável, familiar e pouco ambicioso que isso possa significar.
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Muito boa sua crítica, concordo em tudo que escreveu. Parabéns!
Ninguém pode negar que Hitchcock foi um ótimo diretor de filmes; alguns o dizem o melhor deles. Suas tramas eram explicadas, à exaustão ( vide "Psicose "). E, na maioria das vezes, eram filmes deliciosos. agora, os filmes não têm que explicar seus roteiros, as tramas vêm do absurdo e têm que ser aceitas. Isso não importaria, se tivéssemos diretores roteiristas, atores( nem tanto), geniais. Fora disso, tudo se torna uma terrível perda de tempo ( o que o cinema já é, se falarmos de uma vida verdadeira.)É isso; ou seja, nada.