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Crítica


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Sinopse

Depois de um acidente automobilístico, um homem ser envolve com um grupo que cultiva o prazer resultante da soma entre perigo de morte e desejo sexual. Para mitificar ainda mais esses rituais, eles reconstituem acidentes, inclusive os que vitimaram fatalmente grandes nomes do cinema.

Crítica

Quem conhece um pouquinho da obra de Cronenberg, sabe que uma das obsessões do diretor é o pantanoso campo de intercessão entre o humano e o maquínico, o biológico e o artificial. Não é por acaso que o canadense se fez célebre com sua brilhante versão para A Mosca (1986): lá, como no restante de sua filmografia, Cronenberg parece argumentar que a relação entre essas duas instâncias não são opostas, como quer o senso comum, mas faces de uma mesma moeda. Porém, é em Crash: Estranhos Prazeres que o diretor parece levar essa premissa ao seu ponto máximo de impacto, ao fazer a ligação entre estes dois pontos por meio daquilo de mais animalesco que habita no humano: o instinto.

O filme acompanha, de forma mais ou menos episódica, o cotidiano de James Ballard (James Spader) e sua mulher, Katherine (Deborah Kara Unger). Após sofrer um grave acidente rodoviário, James acaba descobrindo uma espécie de "sociedade" que cultua e encena batidas de carro com a intenção de sentir prazer sexual. Próteses, cicatrizes, colisões e até mutilações viram fetiches para o grupo, encabeçado por Vaughan (Elias Kotelas, insanamente convincente). A partir daí, o casal mergulha numa espiral de taras e situações tão perigosas quanto excitantes. Vale lembrar que o elenco inclui ainda uma já oscarizada Holly Hunter na pele de uma personagem impiedosa, degradada, degradante e que enfeitiça a tela quando a ocupa.

Como dá pra notar pela descrição, Crash tinha tudo para ser qualquer coisa softporn que passa de madrugada em um canal qualquer. A fotografia azulada e os figurinos datados só contribuiriam para essa impressão. E é quase isso. Mas em algum momento, o filme cutuca, perturba, levanta questões inusitadas e, se não choca, provoca calafrios que deixam o espectador numa situação no mínimo estranha.

Alguns exemplos são a cena em que James bolina uma cicatriz profunda como se fosse um órgão sexual ou a excitação orgástica com que alguns personagens reagem a uma violenta colisão. Se por um lado parece perverso, a naturalidade com que o diretor reproduz a situação a livra de julgamentos, transferindo toda a eventual perversão para aquele que, por livre e espontânea vontade, observa o filme: o público.

Uma vez no universo proposto por Crash, a sexualidade vai sendo desconstruída (ou reconstruída) e assumindo papéis que vão além do "masculino/feminino", do "criativo/destrutivo" ou, numa última instância, do "natural/artificial". É onde o roteiro - que não se apoia em diálogos, mas em episódios, ou seja, mais na imagem que no texto - ganha sua amplitude máxima, explorada pela direção em cada plano. Vale lembrar, nesse sentido, a tórrida cena de sexo entre o casal protagonista: as imagens dizem uma coisa, mas o discurso diz outra, diametralmente oposta. Perceber onde ocorre a transa - se nas mentes ou nos corpos - é um dos grandes baratos de Crash.

Uma pista pode estar no fato de que a modificação do corpo aparece como um dos fetiches da "seita". Por meio das próteses, dos pinos, das incisões e até de tatuagens é que os personagens parecem encontrar o prazer verdadeiro, aquele que transcende o físico.

Orquestrando isso tudo, um diretor que transita confortavelmente nessa seara e o faz de dentro pra fora, mantendo seu aspecto "sujo" (tanto na imagem quanto na temática), mas levando-a a uma profundidade surpreendente e necessária. Em Crash, Cronenberg choca carros, públicos, taras, corpos e mentes. Um grotesco e recompensador banquete para quem tem apetite por paladares exóticos.

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é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.
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