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Sinopse

O verão no acampamento Jened, lugar destinado a jovens com alguma deficiência, é o começo de uma revolução. Os campistas assumem uma postura militante e chegam a mudar a legislação de acessibilidade.

Crítica

Indicado ao Oscar 2021 de Melhor Documentário, Crip Camp: Revolução pela Inclusão é parte uma rememoração repleta de carinho e saudade, parte um elogio à determinação do grupo que lutou para pôr fim a uma segregação pouco questionada. James Lebrecht, que assina a direção ao lado de Nicole Newnham, foi um dos portadores de deficiência participantes do Camp Jened, acampamento de verão que começou a receber pessoas com necessidades especiais no começo dos anos 1950. Valendo-se de uma rica documentação fotográfica e audiovisual, a dupla apresenta aspectos primordiais da vivência num espaço compreendido como semente de mudanças (pessoais e sociais) que eclodiriam nas décadas subsequentes. Há uma mistura inteligente entre depoimentos do passado e presente, com parte da turma relembrando aqueles dias em que se sentiam livres para experienciar suas adolescências longe de pais superprotetores, na companhia de monitores que faziam parte da geração contracultural que modificou profundamente o comportamento dos Estados Unidos. Dos traços mais ressaltados, sobressaem a falta do paternalismo e o tratamento recebido por todos.

Ainda que não invista na ampla compreensão desses militantes em perspectiva com demais grupos minorizados que, simultaneamente, aspiravam mudar o mundo enquanto praticavam amor livre e consumiam drogas e rock and roll, Crip Camp: Revolução pela Inclusão retém o clima daquele tempo. O que não é coberto pelas imagens resgatadas ganha amparo nos testemunhos recentes, como quando alguém menciona extensamente a diferença de estar num lugar em que as deficiências não vinham antes de seus portadores, o que provocou um choque imenso entre a vivência cotidiana dali e a do mundo externo. James Lebrecht consegue ser saudosista e, ao mesmo tempo, manter certa distância para encarar os fatos retrospectivamente, ainda que não se descole da intenção de homenagear seus pares, bem como os que serviram de suporte às causas antes simplesmente abafadas e silenciadas. Há espaços generosos no documentário para tiradas bem humoradas, como quando vemos os procedimentos do acampamento após um surto de piolhos pubianos. A sexualidade, as aspirações e os arroubos românticos são observados com naturalidade, sem alardes e afins.

A segunda parte de Crip Camp: Revolução pela Inclusão é calcada no remonte aos dias de luta das pessoas com deficiência contra o entorno que teimava em lhes negar terreno e voz. Ainda que não faça questão de contextualizar os levantes como parte dos movimentos por direitos civis que prosperavam nos Estados Unidos, James Lebrecht e Nicole Newnham mostram a luta aguerrida de homens e mulheres que, contra todas as restrições, brigaram para a legislação do país contemplar demandas básicas. Fica implícito, sobretudo por conta dos encontros esporádicos entre ex-campistas transformados em ativistas, que a convivência em Jened foi essencial para forjar uma coragem contagiante. Especialmente Judith Heumann é esquadrinhada como um fruto notável daquela convivência livre no verão em que as barreiras eram diariamente demolidas, no qual continências eram vistas somente como obstáculos circunstanciais, não enquanto empecilhos intransponíveis. Curiosamente, são poucos monitores ouvidos, o que tira do filme a possibilidade de reconstituir o ideário específico dos jovens destoantes da sociedade essencialmente preconceituosa que excluía automaticamente.

O maior mérito do longa-metragem é justamente resgatar uma trajetória obscurecida pelo tempo, refazendo os passos de um pequeno time reunido aleatoriamente, mas que, por força da convivência, acabou gerando saldos de préstimo inestimável. James Lebrecht e Nicole Newnham costuram bem os excertos do passado, alinhavando consistentemente seus pedaços. Isso, tendo em vista a vontade de celebrar uma turma que gradativamente teve acesso à autoestima e foi munida de determinação para reivindicar seus direitos de usufruir do trânsito pelas cidades, da educação como direito fundamental e do respeito como valor inalienável. Crip Camp: Revolução pela Inclusão é um enaltecimento dos excluídos, jornada emocionalmente forte, recheada de ternura, por meandros afetivos e sociopolíticos de pesos equivalentes. Legislações foram modificadas em virtude da resiliência de homens e mulheres frequentemente tidos como incapazes, o que se configura num legado e tanto às novas gerações de pessoas com deficiência. E boa parte dessa potência foi cultivada num acampamento de férias, onde o diferencial era justamente a negação da hierarquização das adversidades, o tratamento respeitoso a gente com condições variadas e a premissa humanista diante do outro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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