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Sinopse

Acompanha o chocante caso desencadeado por uma série de produções misteriosas, jogos e vídeos caseiros disponíveis na internet em torno do monstro fictício Slenderman. Com acesso sem precedentes às famílias das duas meninas, o documentário traz depoimentos e filmagens dentro da sala de audiências na Justiça.

Crítica

Em 31 de maio de 2014, duas garotas de 12 anos, Morgan Geyser e Anissa Weier, foram presas após terem esfaqueado uma colega de classe, Payton Leutner, nada menos do que 19 vezes! Quando foram pegas, estavam caminhando, sozinhas, em uma estrada há alguns quilômetros de distância do lugar do crime. E ao serem questionadas sobre o que as levou a cometerem tamanha barbaridade, a resposta surgiu naturalmente: foi tudo para agradar Slenderman. Mas quem é esse ‘bicho-papão’ contemporâneo, que surgiu em um site de contos de histórias de terror na internet há poucos anos e agora habita as crenças e as imaginações de milhares de jovens ao redor do mundo? Pois é essa a intenção da diretora Irene Taylor Brodsky com o documentário Cuidado com o Slenderman, um filme que, se não esgota o assunto por completo, ao menos serve como porta de entrada a um mundo real tão assustador quanto o fictício em que tal personagem existe.

Indicada ao Oscar pelo curta-metragem The Final Inch (2009), Brodsky aposta agora em outra produção do gênero, porém em um formato mais extenso. E é preciso fôlego para tanto. O olhar da realizadora, portanto, está dividido em duas frentes. De um lado, este episódio trágico. Com isso em mente, analisa com cuidado os depoimentos de ambas meninas aos policiais, logo após terem sido presas, assim como os desdobramentos do caso, as audiências nos tribunais e o que lhes aconteceu nos anos seguintes: o que fizeram foi tão chocante que acabaram sendo julgadas como adultas, apesar de seus advogados tentarem a todo custo uma pena de acordo com suas idades, que inevitavelmente se encerraria quando completassem 18 anos. Além disso, foram ouvidos os pais delas, que revelam dados perturbadores: o de uma é esquizofrênico, e é provável que a filha tenha herdado essa condição, enquanto que a outra, que sofria bullying na escola em um nível que a família sequer imaginava, talvez tenha encontrado no mundo virtual o amparo que precisava. Argumentos que justificam o que fizeram? Com certeza não, ainda que sejam bons indícios.

Por outro lado, há o próprio Slenderman. A tradução mais direta seria “homem delgado”. Trata-se de uma figura sem rosto, muito alta, com dois ou múltiplos braços, todos longilíneos, além de estar sempre vestindo um terno escuro. Ele apareceria nos lugares mais inesperados, à procura de crianças. Por essa ligação, imagina-se que suas origens estejam ligadas aos contos dos irmãos Grimm, principalmente ao Flautista de Hamelin – para quem não lembra, a fábula termina com o personagem-título indo embora e levando todas os meninos e meninas da vila consigo, enfeitiçados pela música que tocava. Esta figura, que tantas vezes já foi reinterpretada em contos infantis, ganha aqui feições perturbadoras, até se transformar em um monstro acolhedor, que deveria afastar quem nele decidia se refugiar dos problemas de suas vidas diárias. Não é difícil, portanto, perceber até onde iria – ou vai – o seu poder de atração.

É importante, no entanto, que algo fique claro: estamos frente a um documentário, e não de uma história de terror. O relato macabro, por mais assustador que seja – e, de fato, o é – realmente aconteceu. Não se trata de uma mera fantasia, uma brincadeira restrita ao mundo da imaginação. Ao extrapolar estes limites, o nível de entendimento se eleva, e é necessário um olhar mais profundo, tanto para compreender como foi possível ter chegado a esse ponto, como também para melhor lidar com as consequências dos seus efeitos a partir daqui. Essa divisão é clara – o filme começa, por exemplo, com as duas garotas que acabariam condenadas pela tentativa de assassinato de uma colega, e ao lado delas permanece até o seu encerramento. Esta situação poderia ter servido apenas de gancho, um guia que levasse até um mergulho rumo à fantasia. É mais ou menos isso. Mas não somente.

Essa tentativa de abraçar mais do que talvez fosse razoável é a maior pedra no sapato de Cuidado com o Slenderman. Uns podem chegar até o filme buscando um olhar detalhado sobre o personagem, enquanto é possível que outros estejam mais interessados no episódio policial. E ainda que esteja aqui e lá, não chega a ser, necessariamente, o ponto final sobre nenhum destes lados. Por exemplo, praticamente nada se sabe a respeito da vítima – um pouco sobre sua ligação com as meninas antes do evento até chega a ser explorado, mas absolutamente nada é dito sobre o que lhe aconteceu depois, além de que conseguiu sobreviver. Quanto ao ser fantasmagórico, muito se fala a respeito, mas quase nada parece ser definitivo. Uma vez que veio da internet, é natural que esteja em constante mutação. Mas não deveria ter sido essa a conclusão desde o princípio? Irene Taylor Brodsky sabe disso, e por isso não fecha nenhuma porta, ao mesmo tempo em que espalha pistas aqui e ali, permitindo que possibilidades sigam vivas. Seja de fato ou apenas na imaginação.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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