Crítica
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Sinopse
Crítica
Parte do universo literário de Stephen King está conectada por uma locação particular: a cidade fictícia de Castle Rock, no Maine. Dentro do conjunto de histórias nela situado, conhecido como “O Ciclo de Castle Rock”, está o romance de terror Cujo – lançado originalmente no Brasil sob o título Cão Raivoso – que ganhou sua adaptação cinematográfica pelas mãos do diretor Lewis Teague. Cujo é o nome do amigável cachorro da raça São Bernardo pertencente à família Camber, composta do mecânico alcoólatra Joe (Ed Lauter), sua esposa Charity (Kaiulani Lee) e seu filho Brett (Billy Jayne). Certo dia, ao perseguir um coelho, Cujo é mordido por um morcego e acaba contraindo raiva, fazendo com que seu comportamento se torne cada vez mais violento e incontrolável.
Apesar dos Cambers serem os donos de Cujo, o núcleo familiar principal da obra é outro: o dos Trenton, encabeçado pelo publicitário Vic (Daniel Hugh Kelly), que vive momento conturbado tanto em seu emprego – com o risco da perda do principal cliente de sua agência – quanto em seu casamento com Donna (Dee Wallace), que mantém um caso extraconjugal com o marceneiro Steve Kemp (Christopher Stone). O casal possui um filho, Tad (Danny Pintauro), que sofre de asma e ataques de ansiedade, e acredita na existência de um monstro em seu armário. Esses personagens habitam uma trama inserida nas convenções do horror, mas que, quando comparada a outras incursões de King pelo gênero, se mostra mais calcada no realismo, já que o sutil flerte com a fantasia presente no texto original é eliminado por completo na transposição comandada por Teague.
O elemento fantástico do livro surge da insinuação de que o espírito do assassino Frank Dodd – personagem de outro romance de King, Na Hora da Zona Morta, levado às telas por David Cronenberg em 1983 – teria possuído Cujo, sendo também o responsável por assombrar o pequeno Tad. Aqui, todas as citações a Dodd são ocultadas – ainda que outra figura presente em ambas as obras, o xerife de Castle Rock, George Bannerman (Sandy Ward), tenha uma pequena participação – e o possível aspecto sobrenatural que este poderia carregar é abandonado, mesmo que Teague sustente, ao menos inicialmente, alguma dúvida sobre a existência da criatura no armário de Tad. Já tendo trabalhado o “terror animal” no cult O Jacaré Assassino (1980), Teague, que voltaria à temática em Olhos de Gato (1985) – novamente baseado em uma obra de King – se confirma como um artesão do cinema de gênero extremamente competente.
Mesmo sem possuir uma marca autoral inequívoca, o diretor exibe um senso estético apurado, compondo planos elegantes, de elaborados movimentos de câmera – cortesia do premiado diretor de fotografia, e futuro cineasta, holandês Jan de Bont, de Velocidade Máxima (1994) e Twister (1996) – como os da bela cena em que Tad corre e salta sobre a cama após apagar a luz de seu quarto. A sequência de abertura, de quase cinco minutos sem diálogos, com Cujo perseguindo o coelho até a toca infestada de morcegos, é outro bom exemplo do esmero visual de Teague, bem como de sua capacidade de construção de atmosfera. Esse impacto inicial, contudo, acaba diluído durante a primeira metade do longa, que se dedica quase exclusivamente a estabelecer o seio familiar em ruínas dos Trenton. Uma tentativa de aprofundamento de personagens louvável, porém sem a eficácia pretendida, já que seus dramas particulares não se apresentam tão envolventes quanto poderiam.
Por sua vez, os membros da outra família da história, os Cambers, recebem um tratamento bastante superficial, tendo papéis meramente funcionais, desaparecendo da trama e servindo somente à preparação da ambientação do ato final: quando Donna, junto com Tad, decide levar seu carro à oficina de Joe e não encontra alguém na propriedade. Dentro do veículo completamente avariado, mãe e filho terminam encurralados por Cujo, já em estágio avançado de raiva e sedento por sangue. É com esse dilema instaurado, permanecer no carro ou sair para enfrentar a fera assassina, que Teague retoma as rédeas do terror, subvertendo a expectativa do acompanhamento da matança sistemática cometida por Cujo, para trabalhar a limitação espacial e investir num suspense genuinamente claustrofóbico. Com bom domínio cênico, Teague consegue transmitir a noção de desespero da dupla, sofrendo com a fome, o cansaço e o calor escaldante.
Tal sentimento de angústia é valorizado pela atuação de Dee Wallace, bem como a do jovem Pintauro – por mais que seus gritos incessantes possam incomodar em certos momentos. Além da tensão gerada, essa situação extrema ainda abre espaço para a inserção de metáforas sobre os conflitos de Donna – presa em seu carro assim como se sente presa a um casamento fracassado, fugindo do ataque do cão raivoso como foge da ira do amante, após por um fim no caso entre os dois – permitindo até mesmo a leitura de um subtexto sexual. Nada que chegue a ser plenamente aprofundado, mas que não deixa de possuir seu interesse dentro desse eficiente exercício de terror, capaz de fazer com que a amável figura do São Bernardo, quando coberta por sangue e repugnantes secreções, se torne realmente ameaçadora, simbolizando a provação de uma espécie de jornada redentora e de reconstrução familiar
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 7 |
Bianca Zasso | 9 |
MÉDIA | 8 |
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