Sinopse
Crítica
Trabalhar com o poder da sugestão e apostar na capacidade de imaginação do espectador, colocando este em uma posição de quase igualdade em relação ao protagonista e sua percepção sobre o drama no qual se vê mergulhado, são as premissas principais do dinamarquês Gustav Möller em Culpa. Com sua câmera quase sempre colada ao rosto de Asger (Jakob Cedergren) desde os primeiros planos, o cineasta estreante estabelece uma proximidade imediata com o personagem, transformando-o em receptor e filtro de basicamente todas as informações que são oferecidas ao público ao longo da trama que acompanha algumas horas da vida do policial temporariamente afastado das ruas de Copenhagen. Designado ao trabalho no centro de atendimento telefônico de emergências, recebendo as chamadas e encaminhado os casos às delegacias responsáveis, Asger está prestes a finalizar seu turno quando recebe a ligação de uma mulher, Iben.
A princípio, o telefonema soa como um engano, contudo, Asger nota o nervosismo na voz de Iben, que finge estar em uma conversa com sua filha Mathilde, de apenas seis anos. Através de uma série de perguntas, e mantendo a encenação, ele descobre que a mulher foi sequestrada pelo ex-marido, mas antes que pudesse obter mais informações, além da cor do carro em que estão, a ligação cai. Agora, dominado por seus instintos policiais, Asger comanda de sua mesa uma corrida contra o tempo para encontrar e resgatar Iben. Há nessa empreitada particular, porém, algo que vai além do mero cumprimento do dever de servir e proteger. Pouco antes da chamada de Iben, Möller mostra que Asger recebe em seu celular a ligação de uma repórter desejando falar sobre o julgamento do incidente que resultou em seu afastamento e que ocorrerá no dia seguinte, algo que deixa o policial visivelmente abalado, assim como as conversas que tem com seu chefe e com seu ex-parceiro, testemunha-chave no julgamento.
É o sentimento explicitado no título do longa que parece dividir espaço na mente do protagonista com seu genuíno desejo de fazer o bem, e que o leva a tomar medidas extremas, muitas vezes de caráter questionável. Da mesma forma que Asger se vê em posse de recursos limitados para tentar solucionar a situação de Iben, Möller também trabalha com a economia cênica para construir um thriller claustrofóbico e envolvente. Ambientando a ação exclusivamente nas duas salas do centro de emergências, o cineasta tem como sua principal ferramenta dramática o rosto, explorado em sua plenitude, do ator Jakob Cedergren, cuja atuação intensa e nuançada é fundamental para expor todas as facetas do personagem. Pois Asger surge como uma figura ambígua, nem sempre agradável, que trata seus colegas com certa frieza e arrogância, mas também apresenta um lado bem-humorado – como pode ser visto quando recebe a ligação do homem assaltado por uma prostituta.
Gradativamente, Möller revela mais sobre a vida pessoal de Asger – da relação com a esposa, da amizade com o parceiro, além dos detalhes do caso pelo qual será julgado – gerando empatia pelo personagem e fazendo com que suas boas intenções soem verdadeiras, mesmo que sua conduta, ancorada em suposições, possa levar a ações impensadas e a resultados trágicos. Saber como manipular essas mencionadas suposições é talvez o principal trunfo do engenhoso roteiro co-escrito pelo próprio diretor, induzindo tanto Asger quanto o espectador a tirar conclusões que nem sempre se revelam corretas. As reviravoltas são bem aplicadas e críveis, acentuando a atmosfera de suspense e desespero, bem como servindo para levantar alguns questionamentos morais interessantes – como sobre a validade de se quebrar regras, limites, em nome do que se acredita ser certo.
Outro mérito de Möller é conseguir fazer com que o universo externo nunca visto ganhe vida, seja palpável, e que personagens como Iben, o marido ou a pequena Mathilde tenham peso e sintam-se reais apenas através das vozes que surgem do outro lado da linha de Asger. Da mesma forma, o já citado domínio do espaço reduzido do centro de emergências merece destaque no trabalho do diretor, que utiliza habilmente elementos como a iluminação – a lâmpada vermelha que se acende a cada ligação recebida e serve para pontuar os sentimentos de Asger, bem como a atmosfera geral das situações – e objetos cênicos – as persianas fechadas que reforçam a angústia solitária do protagonista. Essa condução segura e ciente de todas as duas escolhas proporciona uma imersão profunda na jornada errática de redenção de Asger, fazendo de Culpa um cartão de visitas promissor para seu realizador.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 8 |
Robledo Milani | 7 |
Francisco Carbone | 6 |
Chico Fireman | 5 |
Cecilia Barroso | 7 |
Marcelo Müller | 8 |
MÉDIA | 5.5 |
O filme é perfeito, quanto a interpretação, enfim, cumpre todos os requisitos de um filme bem feito. Mas que me desculpem os puristas não é cinema, contradiz o próprio termo, cinema, movimento. No final você se angustia, sofre, enfim, seus sentimentos são tocados profundamente a mercê do roteiro e do diretor, mas você é ludibriado. Miseravelmente enganado. É fácil manipular a mente do espectador numa sala escura, tudo bem, jogo é jogo, mas se você é desonesto, vale tudo pra ganhar, e é o que acontece no filme. Qualquer tipo de drama poderia ser colocado ali e manipulado de qualquer maneira. Foi assim que aconteceu, pronto, estamos conversados. Posso fazer milhares iguais com outras tramas e continuar enganando você, espectador. E isso não é honesto. É como se depois de duas horas ( no caso 1 hora e meia) dissessem para você: foi tudo um sonho, que acabou quando você despertou. (Aliás, já houve filme de sonho filmado, parece que de Fritz Lang, com Edward G. Robson, mas isso já faz muito tempo...)