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Sinopse

Dafne é uma determinada e talentosa jovem com Síndrome de Down que, logo após a morte de sua mãe, precisa aprender a se conciliar com o seu pai, com quem nunca teve uma convivência exemplar. Percebendo que só possuem um ao outro, se esforçam para compreender suas próprias diferenças.

Crítica

Dafne é um filme que fala, em linhas gerais, sobre como o afeto pode quebrar barreiras e promover aproximações entre as pessoas. A protagonista, Dafne (Carolina Raspanti), é uma jovem com Síndrome de Down que acaba de perder a mãe. A configuração familiar pregressa à fatalidade é apresentada em meio a eventos cotidianos, como os preparativos a uma viagem, por exemplo. Mesmo escassos, os momentos em que a genitora permanece em cena permitem perceber sua centralidade àquele núcleo, sua importância, inclusive, como apoio emocional tanto para a filha quanto ao marido, Luigi (Antonio Piovanelli), sujeito cuja quietude é gradativamente abrandada. O infortúnio é observado com sensibilidade pelo cineasta Federico Bondi que, vagarosamente, desmembra os primeiros efeitos da lástima, com reações imediatas sendo substituídas pela desorientação que acarreta determinados episódios de agressividade branda e, adiante, pela noção de que é necessário cultivar a união a fim de ultrapassar os obstáculos, tais como a sentida perda do ente querido.

Dafne é uma personagem cativante, de presença solar e positiva. Em casa, abrandadas as naturais turbulências que lhe atravessam após o passamento materno, nas quais chega a rechaçar a casmurra presença paterna, ela vai se reabrindo ao encanto da rotina, demonstrando felicidade ao voltar ao trabalho que tanto valoriza, sendo acolhida pelos colegas que a enxergam a partir de suas particularidades, mas que não a estigmatizam em virtude delas. Por sua vez, Luigi, na interpretação contida de Antonio Piovanelli, resiste como pode à tristeza, sendo frequentemente incentivado pela filha reticente com relação aos seus hábitos tabagistas. Dafne se ancora nesse vínculo, evitando o drama rasgado, passando ao largo de estabelecer as idiossincrasias de Dafne como uma condição a ser debatida e/ou problematizada. A Síndrome de Down é discutida apenas numa cena, na qual o homem confessa o choque inicial, a difícil aclimatação e a felicidade que sobreveio ao medo.

Um dos principais méritos do filme é o vínculo entre Dafne e Luigi. Ela, expansiva, luta diariamente para que sua natureza não seja necessariamente um impeditivo ao decurso de sua vida. Ele, introspectivo, claramente inclinado à melancolia, precisa entender como reconfigurar-se na viuvez, mas sem aquele peso de abraçar a responsabilidade total pela integridade de alguém, no caso Dafne, uma vez que ela possui ampla autonomia para viver, manifestar opiniões, ou seja, sendo plenamente emancipada. Ainda que permaneça, basicamente, detido sobre as mesmas questões, não ampliando o escopo às demais complexidades inerentes às situações apresentadas, Dafne sai-se muito bem no desenho da imprescindibilidade do afeto como, talvez, a única forma de mitigar as intempéries, das congênitas àquelas intrínsecas à passagem do tempo, como a inevitável finitude, a mudança nas relações e as idas e vindas mencionadas com sabedoria pela protagonista à colega do mercado.

O carisma de Dafne é fruto do excelente trabalho de Carolina Raspanti na concepção de uma personagem por nada reduzida ao fato de ter Síndrome de Down, dona de espaço para apresentar as múltiplas camadas de sua personalidade. A consistência do papel advém, também, do modo como a direção dispõe certas recorrências, vide a vocação da protagonista ao cuidado, algo direcionado não apenas ao pai, que obviamente precisa de amparos, mas, similarmente, ao superior no trabalho. Passagens aparentemente simples, como a de Dafne falando ao chefe que é preciso amar-se, diagnóstico feito a partir da simples mudança de foto no perfil de uma rede social, mostram a perspicácia dessa jovem, mas, especialmente, o cuidado dela com os semelhantes. É bonita essa responsabilidade que Dafne cultiva, como na simples cena de transição dela cedendo gentilmente o lugar ao idoso que acabara de entrar. O acúmulo desses detalhes permite à protagonista simbolizar a ternura.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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