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Sinopse

O corpo de uma jovem é encontrado mutilado num terreno baldio. Dois detetives ficam obcecados pelo caso, mal sabendo que essa sensação seria a causa da ruína de ambos.

Crítica

O sucesso é, definitivamente, algo efêmero. A cada temporada surgem novos nomes, que simplesmente desaparecem no ano seguinte. Nem todos conseguem resistir ao sobe e desce do gosto do público ou à análise da crítica. Uns, raros, continuam sob os holofotes protegidos por um talento superlativo. Outros, a maioria, resistem, pela persistência e força de vontade. O cineasta Brian De Palma é um deles. Surgido durante os anos 1960, realizou seus maiores filmes uma década depois, mesma época em que colegas como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg também despontavam. Porém, ao contrário destes, raras vezes conseguiu atingir o mesmo impacto provocado por seus primeiros trabalhos, como Carrie: A Estranha (1976) e Scarface (1983) nos longas seguintes. Apesar disso, continua tentando, até com uma certa regularidade. Dália Negra é um exemplo recente deste esforço: é perceptível a vontade de fazer algo relevante, mas este patamar, infelizmente, nunca chega a ser alcançado.

Inspirado num caso real acontecido em Los Angeles nos anos 1940, Dália Negra é baseado no romance homônimo de James Ellroy, o mesmo autor de Los Angeles: Cidade Proibida (1997). Antes até do livro, este episódio havia servido de base para o telefilme Who is the Black Dahlia?, de 1975. Esta é, portanto, sua adaptação cinematográfica mais pomposa, porém executada de uma forma desastrada. O filme se pretende como integrante do gênero noir, mas não faz uso dos elementos característicos com sutileza ou elegância – pelo contrário, parece gritar a todo o instante suas intenções, seja pelos figurinos e cenários artificiais, pela postura exagerada dos atores ou pelas movimentações de câmera que servem mais a um virtuosismo do diretor do que ao desenrolar da história.

Josh Hartnett, um ator desprovido de expressões, se esforça ao máximo para convencer como um policial envolvido em um triângulo amoroso ao lado do colega de serviço (Aaron Eckhart, o único do elenco principal minimamente convincente), e a namorada deste (vivida por uma Scarlett Johansson mais preocupada com o cabelo e em como segurar a piteira do que com sua atuação). Os dois oficiais são designados a investigar o assassinato de uma jovem atriz, desfigurada e serrada ao meio. As pistas indicam o envolvimento da filha de um grande empresário da cidade, papel que coube à atriz duas vezes vencedora do Oscar Hilary Swank (Meninos Não Choram, de 1999, e Menina de Ouro, de 2004), uma escolha evidentemente equivocada. Hilary funciona muito bem quando explora seu potencial físico, mas nunca através do sex appeal. Ela, como femme fatale, chega a ser constrangedora.

Se há alguém merecedor de nota além destes quatro em Dália Negra é a inglesa Fiona Shaw (a Tia Petúnia da saga Harry Potter), como a mãe da personagem de Swank, que mesmo com apenas duas pequenas participações consegue roubar a cena – ainda que esta tarefa, diante de tais colegas, não seja algo tão complicado. Ela emprega bem uma fleuma já corrompida para dar vida a uma socialite consumida pela loucura e ódio, oferecendo ao espectador uma centelha de vida diante um marasmo interpretativo. Mas os problemas de Dália Negra vão além da – falta de – qualidade do elenco. De Palma, certamente, é o maior responsável, e isso se deve principalmente pela decisão do diretor em transformar seu filme num “evento”, ao invés de construí-lo como uma obra autoral, dona de escolhas ousadas. Este projeto, desde o início de sua produção, foi alardeado aos quatro ventos como se representasse a volta do cineasta ao seu habitat de origem. Porém, esta necessidade de conexão se manifesta de modo exagerado, desviando a atenção e exigindo da paciência do espectador, que se vê em alguns momentos obrigado e se questionar se não estaria diante de uma comédia de humor negro.

Dália Negra resvala ainda em questões técnicas, comprometendo ainda mais seu resultado. Uma trilha sonora excessiva, que pontua cada movimento sem deixar tempo para o raciocínio, uma fotografia plasticamente bela, mas forçosamente artificial, e um roteiro que peca pela falta de ritmo e por reviravoltas desconexas acabam por eliminar qualquer maior interesse sobre a trama. O final, previsível e anticlimático, também não colabora. Não foi desta vez que De Palma conseguiu se reencontrar com um noir legítimo. Ao invés disso, entregou um engodo pré-fabricado, que até poderá iludir um ou outro, mas que se revelou frágil, sem conseguir se impor ao julgamento do tempo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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