Crítica
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Sinopse
Crítica
Danos Colaterais (2021) se esforça para ser um drama sinistro e sedutor, do tipo que começa e termina com uma cena de sexo seguida de morte, junto de uma narração sensual do assassino explicando seus próximos passos. Para além da história policial, nota-se a escolha de uma atmosfera lânguida, com o erotismo pairando no ar. O “virtuoso” do título original, desprovido de nome próprio, aproxima-se da garçonete que se oferece quase instantaneamente para a cama dele. Na hora de alugar um quarto de hotel, o protagonista pergunta na recepção se tem algum casal jovem fazendo sexo a noite inteira no quarto ao lado. Uma de suas vítimas estará nua, e o confronto físico entre eles possui evidente teor erótico. Adiante, dois inimigos fazem sexo, apenas “para te deixar feliz. Você está feliz agora?”, pergunta a moça. Outro adversário será eliminado com uma dose elevada de Viagra. O diretor Nick Stagliano mira na aparência intermediária entre a produção autoral (algumas sequências se assemelham ao ótimo Justiça Brutal, de 2018) e o pornô softcore de nível B. O ritmo contemplativo, o aspecto etéreo e a atmosfera opressora em estilo jazz bar permitem a aproximação dos dois polos.
Talvez o maior problema da produção decorra desta indefinição conceitual. Quando o roteiro fornece a Anthony Hopkins um monólogo ininterrupto de diversos minutos, focados inteiramente no rosto do experiente ator, sugere-se um projeto ousado, disposto a testar os limites do espectador e aproveitar o talento de seus atores secundários. No entanto, assim que a narração onipresente explica cada pensamento e gesto do matador, com a locução de um radialista de programas eróticos da madrugada, qualquer aparência de sofisticação se perde. O elenco reflete tal indefinição: de que maneira um diretor com nenhum filme relevante no currículo, como Nick Stagliano, e um ator principal péssimo (além de produtor executivo), como Anson Mount, contratariam figuras do nível de Anthony Hopkins, Abbie Cornish, Eddie Marsan e David Morse para papéis coadjuvantes? Assim que Cornish ou Marsan entra em cena, a gravidade das cenas soa realista, perigosa. Segundos depois, quando Mount exibe seu semblante inexpressivo, a ambição estética se aproxima de uma paródia do suspense de ação. É difícil saber se o resultado se leva a sério até demais, ou se está se divertindo a partir de um texto exagerado.
O resultado é prejudicado pelo protagonista opaco. O Virtuoso possui complexidade psicológica nula: jamais conhecemos sua experiência no passado, de que maneira adquiriu as “habilidades especiais”, por que decidiu viver isolado numa cabana no meio da floresta, nem o que sente diante das mortes cometidas. Ele teria família, esposa, namorada, objetivos para o futuro, gostos, preferências, opiniões? Ora, julgando pelo roteiro e a atuação robótica de Mount, o sujeito se limita a cumprir ordens, falando muitíssimo enquanto narrador em off, porém balbuciando monossílabos na função de personagem diegético. Como se identificar com este herói sem falhas nem sentimentos, e torcer por ele? O texto tenta embutir um instante de culpa diante do “dano colateral” provocado durante um assassinato, porém a resposta do intérprete a essa cena beira o constrangimento. A direção hesita quanto ao tom e o objetivo desta sequência: o corpo em chamas resulta ao mesmo tempo grave demais e ridículo, próximo da sátira — por que mãe e filho estariam jogando futebol na calçada de uma avenida movimentada? As figuras ao redor do Virtuoso soam igualmente rasas: a Garçonete, o Xerife, o Solitário e outros arquétipos seriam mais pertinentes ao tabuleiro do jogo Detetive (ou a uma piada sobre diferentes tipos entrando num bar) do que a um longa-metragem interessado na aparência do thriller psicológico.
A propósito de aparências, a construção estética de Danos Colaterais evita meios-termos e sutilezas. Os personagens habitam cenários inexplicavelmente escuros — talvez o único princípio de justificativa venha da associação canhestra entre pessoas malvadas e locais sombrios, em reflexo de seu caráter nefasto. De qualquer modo, o Mentor (Anthony Hopkins) passa dias e noites dentro de um minúsculo escritório, no escuro total (usando óculos escuros!). O bar vive à penumbra; a casa do Virtuoso jamais tem uma luz acesa, e o quarto de hotel segue o mesmo princípio. O diretor de fotografia Frank Prinzi escurece tanto os cômodos, sem fornecer pontos de iluminação para criar volume e textura nos ambientes, que os heróis fazem sexo debaixo do cobertor numa penumbra total, e depois se perseguem numa floresta escuríssima onde sequer identificamos os movimentos. A mulher foge da casa à noite, e nunca encontra nenhuma forma de iluminação no ambiente externo. Ao invés de instigante, este trabalho de iluminação apenas aniquila a direção de arte e as nuances dos bons atores coadjuvantes. Durante o monólogo de Hopkins, a câmera insiste em tremer de um lado para o outro, sem qualquer justificativa para tal. Já a montagem interrompe planos de maneira abrupta, apesar de eleger a dilatação temporal e a fluidez sensual enquanto premissas básicas. Falta um produtor de pulso firme, capaz de constatar estas escolhas díspares e forçar a obra a um rumo coeso.
Aos poucos, o aspecto televisivo e repleto de fórmulas alcança a ambição “artística” rumo a um clímax explosivo, que será excelente ou péssimo (dependendo do ponto de vista), mas não algo entre os dois. Documentos importantes são deixados convenientemente fora de uma bolsa; vilões elaboram discursos explicando suas motivações antes de atirarem; homens frios e calculistas lançam um grito de desespero, revelando a agonia escondida por trás do comportamento profissional. O Virtuoso fala para si mesmo, durante uma cirurgia de emergência: “Não corra. Não hesite. Não se distraia”. Depois, explica a uma vítima o funcionamento dos batimentos cardíacos, antes de eliminá-la. A risada está muito próxima destes diálogos artificiais, da reviravolta improvável, da proposta de uma continuação ou spin-off. Teria sido proveitoso a Nick Stagliano exagerar nos traços e rir da trama e do ator principal. Em chave oposta, caso aliviasse na narração em off e introduzisse uma mínima subjetividade ao protagonista, obteria um resultado marcante. Ora, o cineasta prefere este caminho intermediário e confuso, onde a risada fica presa na garganta, esperando a catarse que nunca virá. Danos Colaterais é um destes filmes ruins que pede desesperadamente por uma paródia escrachada para os espectadores poderem rir, enfim, de todo o absurdo contido em sua premissa. Entretanto, nada sugere que o projeto terá tal importância na cultura pop a ponto de ganhar uma versão cômica, que ironicamente tornaria a experiência do original muito mais satisfatória.
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O critico me perdoe ... Mas foi muito infeliz em suas narrativas, o filme e Bom... nao chega a exelente, mas e muito fiel ao que se propoe.. um chefe iconico desprovido de emoçoes, de contraponto o Virtuoso, é um cara bom demais para o que abraçou, me predeu a atenção do inicio ao chocante final, que surpreende. Pois retrata a realidade de um sistema de Sicários, e o nosso respeitado critico gosta mais do genero Django.
A inexpressividade de Anson Mount ajuda a piorar o filme, nem Hopkins conseguiu se salvar do fiasco.
Qualquer filme com esse cara é ótimo, ele nos prende na telinha.
O filme é cansativo no desenrolar da trama e um pouco óbvio no início, mas,na parte final mostra surpresas que revelam o interessante filme.