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Crítica


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Sinopse

Dois sujeitos acabam metidos na cadeia por conta de um crime que não cometeram. Eles compartilham a cela com um italiano que não para de falar, a despeito do pouco domínio do inglês. Mas, o estrangeiro tem um plano de fuga.

Crítica

Realizado dois anos após Estranhos no Paraíso (1984), que colocou Jim Jarmusch no radar da crítica em Cannes, Daunbailó (1986) – detentor daquele que é provavelmente um dos mais bizarros títulos já dados a um filme no Brasil, já que simples e inexplicável tradução fonética do original Down By Law – não só marcou o retorno de seu diretor ao mais importante festival de cinema do mundo, dessa vez na competição principal, como se firmou na condição de um dos trabalhos mais marcantes de sua carreira, por sua vez emblemática na cinematografia independente norte-americana das últimas três décadas.

Como seu antecessor, Daunbailó é protagonizado por figuras marginais, homens da noite, vagabundos que perambulam pelo mundo: o cafetão Jack (John Lurie) e o músico Zack (Tom Waits) que, após serem acusados de crimes dos quais não são de todo culpados, já que vítimas de armadilhas preparadas por desafetos seus – Jack é preso por aliciar sexualmente uma adolescente, sem saber sua real idade, enquanto Zack é parado pela polícia dirigindo com um cadáver no porta-malas –, dividem uma cela em Nova Orleans e não demonstram desejo de interação. Isso até entrar em cena um terceiro elemento, o italiano Roberto (Roberto Benigni), que, falastrão e dono de péssimo inglês, acaba forçando a criação de laços com seus dois companheiros de cárcere.

É interessante como Daubainló consegue dar continuidade ao que Jarmusch fez antes, repetindo características de Estranhos no Paraíso (atmosfera lúgubre, personagens melancólicos, fotografia em preto e branco), mas também propor um experimento dentro desse universo, inserindo nele um elemento portador de certa desestabilização. Tal componente é, claro, Benigni. Assim como Roberto, seu personagem, colocado na cela de Jack e Zack, desestabiliza as relações entre essas duas figuras, reconfigurando-as, a própria presença do ator, com seu humor meio pastelão e composição que remete a Chaplin (na encarnação de um vagabundo à lá Carlitos) ao mesmo tempo em que o nega (na verborragia absoluta), tensiona o cinema de Jarmusch. À melancolia existencial que atravessava o trio de protagonistas de Estranhos no Paraíso, e que se estende a Jack e Zack em Daubainló, é somada a joie de vivre de Roberto – a própria primeira aparição do personagem, quase num cameo ainda na parte inicial do filme, parece anunciar a mudança que virá: o sujeito surge do nada para Zack, dizendo que o mundo é triste (o que ecoa a obra pregressa de Jarmusch) e lindo (revelando seu otimismo incorrigível e sua paixão pela vida).

Essa tensão também passa a se refletir na narrativa do filme, que, na segunda metade, marcada pela fuga dos três personagens da prisão e por sua jornada através de uma floresta cheia de perigos, se entrega a uma pegada ligeiramente mais leve, que flerta com a fantasia a partir da entrada em cena de Nicoleta Braschi. Toda a sequência protagonizada por ela e Benigni marca essa passagem de Daubainló para outro tipo de registro e não é à toa que, nesse momento, a dupla Jack e Zack encarne certo deslocamento, um não pertencimento àquele universo lúdico de Roberto e Nicoletta – por mais que ele apresente alguns confortos e vantagens bastante atraentes para dois sujeitos que acabaram de sair da cadeia e empreender uma fuga arriscada.

No entanto, era também Roberto a cola que mantinha Jack e Zack unidos. A bela cena final de Daunbailó é, assim, sintomática da impossibilidade de permanência dessa estranha família, sem a presença de seu membro mais inusitado – agora vivendo em seu próprio paraíso italiano na Louisiana. E acaba sendo, também, uma forma de Jarmusch encerrar o filme retornando à melancolia de seu cinema pregresso, após o breve interregno tomado de assalto por um efusivo e otimista Benigni.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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