Crítica
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Sinopse
Ambientada na cena musical de Austin, no Texas, dois casais interligados – os compositores Faye e BV, o magnata da música Cook e uma garçonete que ele ilude – buscam o sucesso num cenário de rock’n’roll, sedução e traição. Em meio aos percalços de cada uma de suas peculiaridades, entenderão o propósito de suas vidas.
Crítica
Desde o lançamento de A Árvore da Vida (2011), Terrence Malick passou a dirigir com uma frequência incomum dentro de sua carreira outrora bissexta. Além do aumento do volume criativo, o longa, que sucedeu o subestimado O Novo Mundo (2005), marcou também o início de um mergulho ainda mais profundo na exploração de uma narrativa elíptica que fragmenta os dramas e os intercala a contemplações filosóficas, tendo o elemento da natureza como uma força primordial que se faz sempre presente. Em De Canção em Canção, Malick dá continuidade a essa abordagem – ainda que o novo trabalho se aproxime mais de uma estruturação convencional se comparado a seus antecessores mais próximos, como Amor Pleno (2012) – novamente tratando de relacionamentos tortuosos ao apresentar um triângulo amoroso que, gradativamente, altera sua forma, expandindo o número de lados.
A peça central desse quebra-cabeça geométrico/sentimental é Faye (Rooney Mara), jovem à deriva no mar de incertezas de sua vida, aspirando a uma carreira artística, mas sobrevivendo de trabalhos temporários, como passear com cachorros e mostrar apartamentos. Ela mantém um caso sem compromissos com Cook (Michael Fassbender), um ambicioso produtor musical afeito a festas e ao exagero. É numa dessas celebrações que Faye conhece um músico e compositor em ascensão, que acaba de fechar contrato com Cook: BV (Ryan Gosling), por quem parece nutrir uma paixão verdadeira. O princípio dessa teia de romances surge de modo bastante hermético, sendo difícil situar as ações no tempo ou espaço, porém, não demora muito para que a ordenação proposta por Malick fique clara, atribuindo uma lógica compreensível às fases que constituem a evolução das relações entre os personagens.
O diretor aposta num fluxo sensorial, no qual a união entre a beleza das imagens e da trilha sonora muitas vezes se impõe ao conteúdo dos diálogos e da narração – dividida entre todos os personagens principais, mas com foco especial em Faye. Para obter o efeito pretendido, o cineasta conta novamente com a destreza do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, com seu registro de movimentos fluidos e uso extensivo de grande angulares, bem como com um trabalho intrincado de montagem – feito a seis mãos – que realça a pulsação de um jogo associativo planejado minuciosamente. Tais escolhas elevam a intensidade do retrato dos excessos dos bastidores da indústria musical, enriquecido pelas filmagens realizadas durante o Festival Austin City Limits, no Texas, e pelas participações de artistas como Iggy Pop, Red Hot Chili Peppers, John Lydon e Patti Smith – esta última tendo um papel mais efetivo, surgindo ótima como uma espécie de mentora de Faye.
Esse universo de descomedimento contrasta diretamente com o vazio existencial dos protagonistas, que buscam algum tipo de solidez, procuram segurança, enquanto seguem na tentativa de manter um relacionamento real e duradouro em meio a todas as distrações que se apresentam como obstáculos em seus caminhos. Desnorteadas, essas figuras permanecem cambaleando, sempre em movimento, algo que Malick faz questão de extrair das atuações do elenco. Os corpos na tela dançam, se tocam, se entrelaçam, fazem sexo e raramente se encontram totalmente imóveis, traduzindo a inquietação de seus donos. O comportamento de Faye, BV e Cook soa, intencionalmente, não-natural, sem compromisso com o real, pois interessa ao diretor amplificar a sensação de desorientação, a angústia de não conseguir alcançar a estabilidade, emocional ou de qualquer tipo, como se tudo fosse filtrado por uma visão entorpecida, lírica e delirante.
O roteiro oferece possibilidades para dar estofo aos personagens, através de informações sobre o passado de cada um e de conflitos particulares, como o pai doente, a mãe problemática e os irmãos distantes de BV, ou o sentimento de fracasso de Faye em relação às irmãs. Há ainda os outros parceiros amorosos que são apresentados, como a artista madura e fragilizada, vivida por Cate Blanchett, com quem BV se envolve brevemente, a ex-namorada do músico (papel da cantora Lykke Li), a francesa (Bérénice Marlohe) com quem Faye vive um caso lésbico, e Rhonda (Natalie Portman), a humilde garçonete que eventualmente se casa com Cook. No entanto, Malick não se mostra interessado em explorar a fundo esses outros elementos, retirando deles apenas aquilo que julga necessário para complementar suas reflexões mais abrangentes sobre a natureza humana.
Se não chegam a ser particularmente originais ou transformadoras, as ponderações do realizador não deixam de ser pertinentes. Em De Canção em Canção, a constatação essencial parece ser a de que somos nós os criadores da maior parte de nossas próprias dificuldades, que complicamos aquilo que é simples. E é justamente para o resgate da simplicidade, da pureza, trazendo à tona a necessidade da comunhão com a natureza – Gosling estendido sobre os campos, os pés descalços dele e de Mara sobre as pedras, a “purificação” pela água – que aponta o desfecho do longa. Um resgate que, ao que tudo indica, se estende ao próprio cinema de Malick, já que seu próximo projeto promete trazer uma narrativa linear, clássica, interrompendo a fase de experimentações da qual, mesmo com suas inconstâncias, o diretor demonstra não se arrepender. Afinal, como Faye afirma “Qualquer experiência é melhor que nenhuma experiência”, e não há como negar que o diretor se arrisca a fugir da inércia na tentativa de criar experiências particulares e dividi-las com o público.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Leonardo Ribeiro | 7 |
Yuri Correa | 9 |
Matheus Bonez | 8 |
MÉDIA | 8 |
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