Crítica

Robert Altman foi um dos grandes cineastas da era de ouro de Hollywood. Sempre com uma forte visão crítica da sociedade contemporânea, teve sua carreira marcada por interessantes paineis humanos. O que variavam eram os grupos, porém mantendo um constante discurso ácido e pertinente. Algo que, infelizmente, não esteve presente em De Corpo e Alma, um dos seus últimos trabalhos. E por um simples motivo: este não é um filme de Altman, e sim da pseudo-estrela Neve Campbell, que, além de ser a protagonista, assina a produção e o argumento original.

Explica-se o inusitado: Campbell foi bailarina desde a tenra infância, e era um sonho antigo participar de um projeto que tratasse com reverência e honestidade o assunto. E por quê não ter como diretor um nome de respeito como Altman, que já havia realizado feitos similares em outros contextos, como a moda (Prêt-À-Porter, 1994), a guerra (M.A.S.H., 1970), as relações amorosas (Dr. T e as Mulheres, 2000) e a própria indústria hollywoodiana (O Jogador, 1992)? Assim, Campbell ofereceu a ele essa oportunidade, oferta que foi aceita de bom grado. Mas, como resultado, o que permanece na tela é a marca dela, e não a dele.

De Corpo e Alma não possui início nem fim e muito pouca ressonância provoca em relação ao posterior – e muito mais eficiente – Cisne Negro (2010), apenas para ficarmos no mesmo universo. O enredo trata apenas do cotidiano de uma companhia profissional de dança, alternando em suas apresentações entre o moderno e o clássico, o inovador e o tradicional. Com auxílio do Joffrey Ballet de Chicago, é nesse quesito que o longa demonstra seu maior valor: nas apresentações artísticas, sempre com números coloridos, coreograficamente perfeitos e visualmente impressionantes. A trilha é contagiante, e não há como não se deixar encantar pelo clima de paixão e dedicação, enquanto ganha evidência uma das mais belas capacidades humanas, a arte da dança.

Alternando-se a este cenário tem lugar situações que retratam diversas realidades entre os envolvidos neste cenário. Há o novato, o insatisfeito, a esforçada, o incompreendido. São apenas pinceladas breves, não chegando nem a se compor o estereótipo comum, quanto mais um subtexto relevante. Por fim, tem espaço também o novo amor da bailarina principal, o cozinheiro interpretado por um James Franco displiscente, além dos dilemas enfrentados pelo coordenador da companhia (Malcolm McDowell, de Laranja Mecânica, 1971).

Altman, em De Corpo e Alma, comete o mais grave dos erros: entrega uma obra sem nenhum dos elementos apontados pelo título nacional. Fica claro que sua participação foi apenas protocolar, e pouco há aqui que faça o espectador recordar do talento inequívoco já tantas vezes demonstrado. Fato esse digno de lamento, ainda mais de lembrarmos que este filme foi logo em sequência a sua consagração com o genial Assassinato em Gosford Park (2001), indicado a 7 Oscars (entre eles de Melhor Filme e Direção) e premiado com a estatueta de Melhor Roteiro Original. Definitivamente, trata-se de um ponto descartável de uma carreira brilhante, indicado apenas aos fãs mais dedicados – ao tema, e não ao diretor, que fique claro.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *