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Sinopse

Machado foi um rockstar nos anos 1980, mas agora se considera fracassado e esquecido. Ele, então, decide se matar. Ao saber do falecimento do pai, José chega atrasado ao funeral e não sabe o que fazer com os pertences do pai, uma vez que nunca tiveram uma boa relação ao longo dos anos. No apartamento que recebeu como herança, José pela primeira vez conhece o universo do pai, até que o próprio Machado reaparece.

Crítica

José (Juan Paiva), Dina (Miá Mello) e sua filha Kat (Valentina Vieira) são personagens meio à deriva depois da perda de alguém. Portanto, têm algo fundamental em comum. José mora no interior de São Paulo, mas vai ao Rio de Janeiro para lidar com as questões práticas depois da partida acidental do pai com quem teve pouco contato. Dina anda errática após a passagem do marido, extravasando a sua tristeza ao exagerar no álcool. Enquanto isso Kat parece menos desesperada, quem sabe por ter uma precoce capacidade de assimilação da tragédia. O luto os aproxima e eles conseguirão voltar aos trilhos da felicidade se reconstruírem um núcleo familiar. O roteiro assinado por Paulo Halm (também diretor do filme), Renata Corrêa e Claudia Sardinha se foca principalmente na história de José, o forasteiro que encara a memória do pai repleto de ressentimentos por conta do abandono. Mesmo jovem, ele teve de segurar a bronca quando a mãe foi diagnosticada com câncer e agora se depara com outro ponto doloroso de seu passado. Dito assim parece que De Pai para Filho é de um pesar profundo ou mesmo um melodrama rasgado no qual os sentimentos estão à flor da pele e tudo é grave. Longe disso. Paulo Halm prefere a isso uma abordagem entre o drama e a comédia romântica, não mergulhando na seriedade das coisas e tampouco criando espaços para a graça amenizar um pouco essas dores.

Para começo de conversa, a ideia do pai morto que retorna como uma alma-guia não funciona bem. Depois de abrir o filme com a sua tentativa de suicídio frustrada pela ironia do destino que o leva à morte por acidente, o músico Machado (Marco Ricca) aparece pontualmente para ensinar o filho José sobre coisas básicas. Idealmente, o fantasma está tentando cumprir uma função paterna que o homem vivo renegou. No entanto, Paulo Halm não dá tanta atenção para essa reconexão que enfrenta resistência por parte do rapaz ainda machucado. Desse jeito, as aparições de Machado e mesmo os toques que ele dá a José viram oportunidades (repetitivas) para o protagonista extravasar o seu desapontamento. Não mais que isso. Pouco importa o fato de Machado ter sido um músico popular que abandou a carreira erudita em prol do sucesso. Em nenhum instante essa situação atribui algo específico a Machado ou ainda respinga de modo significativo em José. Aliás, por falar no personagem de Juan Paiva, ele é construído muito superficialmente, ao ponto de ser difícil acreditar na sua inocência – sintoma que fica entre o estereótipo do interiorano e algo mal elaborado sobre a personalidade pueril. Coisa semelhante pode ser dita de Dina e Kat, figuras que crescem significativamente enquanto o enredo avança na base da exploração de lugares-comuns e modelos. Os assuntos vão ficando sem relevância.

Em De Pai para Filho, a montagem assinada por Eduardo Nunes apresenta vários problemas. E os principais deles dizem respeito aos raccords (conexão temporária ou espacial entre dois planos consecutivos). Às vezes, a transição entre as tomadas tem ruídos de continuidade, como quando José está consertando a pia de Dina. Ele é atingido por alguns pingos d’água enquanto está deitado averiguando preliminarmente o encanamento, mas ao levantar está com a camiseta completamente encharcada. Há diversos outros solavancos involuntários na transição entre os planos, o que cria uma sensação de negligência com a fluidez visual dessa trama indecisa entre encarar tudo dramaticamente ou de modo levemente cômico. Ao longo da produção aparecem outras interferências praticamente inexplicáveis, como nas duas vezes em que José se reporta à mãe morta quando o pai (também morto) está mencionando a sua vida sexual (?). Machado diz “aposto que tem várias meninas querendo transar com você”, e José responde “a única mulher que levei à cama foi a minha mãe”. Mais tarde, Machado está caçoando do filho que fugiu excitado da pretendente logo quando as coisas estavam esquentando sexualmente entre os dois, e José responde: “lembrei da minha mãe”. Em ambos os casos o pai acusa que é estranho o filho se reportar à mãe na hora. Nada relevante acontece a partir desses momentos constrangedores.

Aparentemente, Juan Paiva não está muito à vontade nesse papel de rapaz tímido criado no interior de São Paulo. Seu desempenho é muitas vezes artificial, o que compromete a veracidade do personagem. Miá Mello se sai um pouco melhor como a viúva enlutada com dificuldades para dar continuidade à sua vida amorosa – mas é de se estranhar que a sua fragilidade emocional frequentemente venha à tona quando ela está em trajes sumários. E esses vislumbres de uma seminudez em nada contribuem para a história. O interesse romântico entre José e Dina é forçado, demora a engrenar e não dá liga. Trata-se de um envolvimento pouco crível que serve à ideia do recomeço pela constituição da nova família. Por sua vez, a jovem Valentina Vieira está ótima como a filha que serve de apoio à mãe emocionalmente em frangalhos. Então, dentro de uma história em que se defende o amor como emplastro contra a melancolia, Paulo Halm perde quase todas as boas oportunidades para conferir profundidade emocional (e alguma graça) a assuntos como orfandade, culpa, tristeza e a retomada da esperança. O resultado é um filme morno em que os personagens (postiços) nunca emocionam ou divertem o suficiente, sobretudo porque são colocados em cena como se bastasse dizer as coisas para elas serem relevantes. Nem a bem-vinda chacota com bolsominions e médicos prescritores de cloroquina é uma boa sacada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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