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Crítica


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Sinopse

Suzie foi uma menina sensível e criativa. Todavia, décadas depois, aos 40 anos, ela se sente pressionada por tudo e todos. Decide, então, iniciar uma busca por sua essência. Ela ficará mais forte na presença de sua tia Suely.

Crítica

Há um preconceito enorme com as comédias brasileiras, fruto de um processo comum, embora reducionista, de tomar o todo por certas partes. Assim como o horror tende a parecer vulgar aos observadores menos atentos, àqueles detidos na quantidade de filmes ruins lançados semanalmente que bebem nas fontes do gênero, a comédia made in Brasil sofre antecipadamente pela parcialidade dos julgamentos. Era assim desde a Chanchada. Prosseguiu de modo semelhante quando o erotismo introduziu o prefixo Porno nas produções repletas de picardias. Não teria como ser tão diferente assim na nossa contemporaneidade. Feito o preâmbulo, De Perto Não é Normal é um dos longas que depõem contra toda uma lavra, diante dos quais a gente sente até uma pontinha de vontade de aderir ao coro imponderado que acaba ganhando ares de senso comum. O único elemento destoante, e, portanto positivo, nesse amontoado apressado é o fato da protagonista empreender a jornada de empoderamento. Mas, até esse caminho é mal conduzido, estofado de trivialidades mal situadas.

Baseado na peça homônima de Suzana Pires, De Perto Não é Normal fala de Suzi (Suzana), dona de casa esforçada que corta um dobrado para gerenciar o lar. Trabalhadora do INSS, ela pega um empréstimo para viabilizar os sonhos distintos das filhas. Uma deseja se casar, de véu e grinalda. A outra recebeu uma bolsa de estudos em Harvard, nos Estados Unidos, e pensa na academia como prioridade. O marido, Pedrinho (Marcelo Serrado), é um sujeito bastante acomodado, figurinha carimbada que arrota e ostenta a saliente "barriguinha de chopp". A constituição doméstica é feita integralmente de caricaturas, o que dificulta o envolvimento do espectador com as demandas ali conviventes e então desorganizadas. Para completar a fatura, a sogra incontinente vivida por Cristina Pereira – que desperdício colocar uma atriz desse calibre para, simplesmente, reclamar e acusar-se cagada e/ou mijada. A diretora Cininha de Paula não dá tempo para as circunstâncias assentarem e/ou amadurecerem, transitando em desabalada carreira entre as situações acumuladas.

Num estalar de dedos, as filhas vão embora. Síndrome do ninho vazio? Nem perto disso. De Perto Não é Normal, DO NADA – em caixa alta, pois a transição é tão abrupta – apresenta Suzi numa festa com meia dúzia de gatos pingados (falha gritante da direção de arte) e logo depois envolvida nos braços do galã vivido por Ricardo Pereira. É uma ocorrência existente apenas como desculpa esfarrapada para a mulher chegar em casa e anunciar-se decidida a mudar de vida. O que se vê dali para adiante é um festival de episódios encaixados forçosamente, encenados com um exagero capaz de interditar o nosso engajamento emocional com tudo o que está ali acontecendo. Depois de formar-se, a protagonista advoga e todos os casos dela têm a ver com pênis. Aliás, piadas grosseiras de duplo sentido viram mato. Embora esteja supostamente criando um ambiente capaz de suportar lições para determinar o tom do encerramento, Cininha de Paula faz das etapas de aprendizado uma sucessão de exercícios chulos, em que se permanece anos-luz de substanciar os tais ensinamentos.

Suzana Pires interpreta também a tia e a mãe (nos flashbacks). No pior estilo Eddie Murphy se multiplicando, aumenta o caráter ridículo. Há muitas elipses enfiadas de modo aleatório, ao ponto de ser difícil acompanhar a cronologia. Outro inconveniente é a decupagem, cuja execução inábil deve ter complicado a montagem assinada por Karen Akerman – profissional tarimbada, com diversos trabalhos louváveis no currículo, o que leva crer no material bruto como o grande responsável por tantas transições ruins. Esses são alguns dos inúmeros problemas formais contidos numa comédia que não deve ser compreendida como exemplar do que o cinema brasileiro pode fazer nessa seara. Das várias participações especiais, somente a de Orlando Drummond merece todos os aplausos. No polo oposto, Angélica e Ivete Sangalo, principalmente, não ajudam com seus trejeitos descomedidos. E a mensagem quanto à urgência da emancipação feminina perde a força nesse itinerário frágil, até porque em 95% do filme a protagonista não se sente “completa” sem um macho a tiracolo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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