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Crítica


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Sinopse

Ao abordar o sistema financeiro e suas contradições, o documentário faz um questionamento a respeito de um dos principais discursos das autoridades financeiras: de que não podemos gastar mais do que arrecadamos. Através de diversas entrevistas, faz um panorama de como o capital pode influenciar a política e os governos.

Crítica

A polifonia de Dedo na Ferida constrói uma retórica sólida. Ela dá conta da constatação alarmante do sistema financeiro como o grande vilão social contemporâneo. Recorrendo a especialistas, professores de economia e até ao cineasta grego Costa-Gavras, cuja obra combativa e engajada serve para lhe tornar, de toda maneira, uma espécie de autoridade, Silvio Tendler pretende expor os verdadeiros detentores do poder mundial. A produção cumpre com louvor a função de desmembrar conjunturas, revelando, por exemplo, o quão danosas podem ser a especulação e as transações escusas do mercado, e de que formas os conglomerados concentram recursos para suplantar as autoridades estatais, então tornadas reféns da esfera privada no mundo inteiro. Do ponto de vista cinematográfico, há, por um lado, o roteiro que consegue promover encadeamento satisfatório dos dados com a intenção de desnudar a conjuntura escondida pelos meios de comunicação, e, por outro, a reiteração de procedimentos, o engessamento do registro dos depoimentos, além de desperdícios pontuais.

Tendler mostra um morador de Japeri, município do estado do Rio de Janeiro, testemunhando enquanto se desloca de trem e metrô, num itinerário diário que dura praticamente duas horas por trecho até o trabalho no bairro de Copacabana. Ao invés de utilizar tal viagem, cujo viés extenuante deflagra bem as dificuldades cotidianas da parcela menos privilegiada da população, como linha-mestra, o realizador prefere o inverso, ou seja, torna-la apenas coadjuvante no desenho da trama. O essencial ao tecido narrativo do filme é a sucessão de falas dos homens e das mulheres de nacionalidades e, portanto, vivências distintas, que expõem a relação promíscua entre política e interesses particulares. É apresentado e comprovado, com números, o que promove o enriquecimento dos já abastados e o consequente empobrecimento dos necessitados, passando pela aniquilação crescente das classes médias. Dedo na Ferida lança mão de alguns recursos visuais, como as animações, na tentativa de tornar seu percurso menos cansativo. Mas o intento não é totalmente alcançado.

Dedo na Ferida se torna gradativamente pantanoso aos que não possuem bom interesse prévio na pauta. Embora reduza a imprescindibilidade do domínio do “economês”, linguagem que dá conta de fundos de investimento, aplicações, rentabilidades, riscos e demais particularidades da estrutura capitalista, mesmo assim o longa-metragem restringe determinados aprofundamentos aos iniciados nos pormenores mercadológicos, justamente por não depura-los. Tendler ensaia levar a discussão para outras áreas, amplia-la, como quando aborda a situação de um grupo teatral fluminense. Premiada em diversos festivais nacionais e internacionais, a trupe enfrenta severas dificuldades por falta de dinheiro. Porém, o cineasta logo devolve aos estudiosos o protagonismo do filme, subaproveitando a aproximação com a realidade que, por si, denuncia o descaso governamental com áreas essenciais, tais como a cultura. Em prol do acúmulo de dados – absolutamente relevantes, diga-se – há submissão a um esqueleto que permite somente circunstanciais fugas.

Dedo na Ferida é contundente e bem-sucedido como veículo de conhecimento. Todavia, falta-lhe o ímpeto de aproximar-se genuinamente da camada mais sofrida, a fim de transformar a frieza atrelada ao sistema financeiro em consequências práticas, bem como suficientemente claras. Próximo do encerramento, os depoentes oferecem alternativas ao domínio dos bancos, trazendo a experiência de instituições cooperativas responsáveis por atenuar uma hegemonia extremamente prejudicial à constituição de qualquer sociedade que almeje ser minimamente igualitária. Não falta opinião de gente renomada, pelo contrário, o que confere ao documentário uma autoridade valiosa quanto aos temas, sem a qual dificilmente teria semelhante impacto. Mas, o fluxo de materiais colocados à disposição do espectador frequentemente provoca uma sensação de cansaço, sobretudo em virtude da ausência de vigor da linguagem calcada mais na transparência e menos na invenção. Ao privilegiar o entendimento, lesiona-se outras possibilidades, ainda que a causa seja ótima.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Filipe Pereira
7
MÉDIA
6.5

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