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Sinopse

Georges encontra uma rara jaqueta de camurça e sua vida muda completamente. A vestimenta passa a ser sua principal obsessão e o leva até uma jornada de possessividade, ciúmes e comportamento psicótico. Quando menos percebe, Georges se tornou outra pessoa. Ou será que sua personalidade real aflorou?

Crítica

Estranho é pouco. Deerskin: Estilo Matador é uma produção francesa bastante peculiar, isso para dizer o mínimo. O protagonista é Georges (Jean Dujardin), sujeito solitário capaz de comprar uma peça démodé por mais de 7000 euros. Não dá para saber com exatidão o motivo do interesse pela vestimenta que lhe extasia como nada. Os primeiros momentos do filme, puramente de contexto, são um tanto modorrentos, com esse estranho se aclimatando à pequena localidade na qual aparentemente se exila após uma separação traumática. O único diálogo, ao telefone, com a ex-exposa dá o tom dessa animosidade residual. Mas, no fim das contas, a conjuntura é descartável , pois o cineasta Quentin Dupiex se foca na relação excêntrica do homem com a japona (feia, aliás). Da euforia por possui-la, ele passa a um estado de companheirismo literal. Os dois “conversam” e criam "juntos" planos mirabolantes para exterminar as demais jaquetas do mundo (?).

Apenas quando entra em cena a garçonete/montadora Denise (Adèle Haenel) – cujos autointitulados feitos se resumem a ter reeditado amadoristicamente Pulp Fiction (1994), colocando-o na ordem cronológica – é que o filme consegue ultrapassar a pura esquisitice para lançar mão de questões instigantes. Georges coloca na cabeça, talvez nesse caminho de reinvenção que sobrevém ao divórcio, que é um cineasta em processo de realização de algo decente. Ele sai gravando paisagens aleatoriamente, registrando o amor por sua jaqueta orgulhosamente feita cem por cento com couro de cervo. Denise, por sua vez, aparentemente cai no conto do vigário e aceita emprestar-lhe dinheiro para a sequência das filmagens "interrompidas" em virtude da falta de comunicação com produtores inexistentes numa inventada rodagem de segunda unidade na Sibéria. Uma pena que o longa não se aprofunde nas pessoas, nos contratos que ambas aceitam ou propõem por absoluta solidão.

Todavia, há um ganho substancial quando Deerskin: Estilo Matador soma ao nonsense uma faceta próxima ao trash. Georges vira matador, cada vez mais vestido de couro de cervo, numa obsessão que ganha ares patéticos e, por isso, próprios à comédia. Além disso, usa uma das pás do ventilador para fazer vítimas e registrar tudo em sua câmera. Há um óbvio deleite nesse processo de apropriação dos códigos dos filmes B, algo que Quentin Dupiex já tinha demonstrado em Rubber: O Pneu Assassino (2010), no qual o protagonista é um pneu que sai matando pessoas com seus poderes telecinéticos, isso antes de se sentir atraído por uma jovem. Nessa seara o cineasta demonstra um domínio bem maior que em outras. Exemplo disso é que cenas fetichistas, tais como a afiação da arma no asfalto, funcionam muito mais do que a lenga-lenga encarregada de desenhar um pano de fundo à personalidade singular desse homem tarado por camurça.

A se lamentar, também, que o interesse de Denise por aquelas imagens “cruas, selvagens” não se configure numa abertura eficiente à sinalização do cinema como forma de registro e/ou representação. Deerskin: Estilo Matador é mais curioso do que necessariamente bem-sucedido, em parte por conta desses desperdícios que vão se acumulando, noutra em virtude de uma morosidade até chegar ao que lhe define melhor. Adèle Haenel dá conta de criar uma coadjuvante importante, especialmente por fazer às vezes de única testemunha dos esforços cinematográficos de George. Ele, por sua vez, é interpretado com o carisma de sempre por Jean Dujardin, mantendo-se geralmente insondável e imprevisível, numa composição que assinala características essenciais para que “compremos” os absurdos que desfilam pela telona. Há cenas impagáveis, como a recuperação da aliança do morto. Porém, o saldo é mediano, com coisas boas e ruins de alternando.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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