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Crítica


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Sinopse

Isabelle é uma artista parisiense e mãe divorciada. Ela está à procura de um amor na romântica capital da França. Dessa vez, deseja vivenciar uma paixão verdadeira.

Crítica

A câmera de Claire Denis não é pudica, mas demonstra extremo respeito pela intimidade de Isabelle (Juliette Binoche), mesmo quando registra a nudez dessa mulher em sucessivos relacionamentos fadados ao fracasso. Num primeiro momento, ela interage amorosamente com o banqueiro casado, que não tarda a trata-la como mero objeto sexual. O subsequente caso com o ator, sintomaticamente outro homem comprometido, expõe não apenas a falta de tato e consideração das figuras masculinas, especificamente dessas duas, mas a existência de um padrão. A protagonista de Deixe a Luz do Sol Entrar é vítima dos discursos românticos sedimentados pela constância das convenções. A cineasta faz dessa personagem o epicentro das constatações que dizem respeito à inviabilidade prática da ideia da “metade da laranja”, segundo a qual ninguém é pleno individualmente. É exatamente por sucumbir a tal falácia que ela sofre frequentemente, sentindo imensa dificuldade para superar barreiras sentimentais, inclusive as dela própria.

Deixe a Luz do Sol Entrar é um filme bastante falado, nem por isso menos inventivo do ponto de vista imagético. A predileção pelo campo/contracampo é ilusória, já que a realizadora quebra esse fluxo aparentemente banal com atenções pontuais a determinados detalhes, como a mão tensa na maçaneta daquela que hesita em fazer o movimento de abandonar uma discussão, ou a emulação de um olhar que percorre o corpo de outrem antes do flerte declarado. Juliette Binoche apresenta um desempenho excepcional na pele da artista plástica que ora é absolutamente preterida por sujeitos sem um pingo de respeito, ora sucumbe inconscientemente às "maquinações" dos agentes, inclusive de sua classe social, para boicotar um vínculo que parecia genuíno e potencialmente duradouro. No cenho angustiado e nos olhos marejados da atriz transparece a singularidade dessa mulher que bate cabeça repetidas vezes em busca de quem a faça sentir-se plena, como apregoa o padrão vigente na sociedade.

A estrutura do roteiro de Deixe a Luz do Sol Entrar permite dispersões, especialmente pela maneira deliberadamente truncada de encadear os acontecimentos, numa lógica episódica em que os fragmentos se retroalimentam. Há espaços ocasionais para rompantes cômicos, como a explosão da protagonista diante do esnobismo de um amigo que transita pela paisagem campestre assinalando suas posses. Mathieu (Philippe Katerine), que tenta convencer Isabelle a viajar com ele, é uma figura cujo carisma exala, principalmente, da forma quase inocente com que se aproxima dela. Claire Denis mantém em alta a sensualidade de sua protagonista, mostrando-a como alguém tão desejável quanto desejosa. Sua flutuação emocional atinge a suscetibilidade dos companheiros, o que permite a distância de um fundamento maniqueísta, a não ser aquele do qual a cineasta lança mão propositalmente no início. Não se trata de eleger vilões e mocinhos, mas de denunciar sutil e levemente a dialética romântica.

Deixe a Luz do Sol Entrar oferece parcos, porém suficientes, dados acerca dos vínculos  pré-estabelecidos, tampouco se dá ao trabalho desenhar banalmente os contextos. Claire Denis amarra tudo com a artesania das sutilezas, não sem incorrer em demonstrações expressivas somente do ponto de vista estilístico. O todo se ressente ligeiramente da falta de uma urdidura mais consistente. Todavia, há uma cisão valorosa, pois permanente, entre os modelos familiares e a erupção do querer um tanto desenfreado de Isabelle, instância combalida desde a raiz por sua incapacidade de fugir aos ditames das sentenças implícitas ordinariamente no que tange aos envolvimentos afetivos. A cineasta francesa nos propõe, tendo como veículos centrais o semblante e o corpo de Juliette Binoche, uma observação lenta, por vezes desnecessariamente reiterativa, das vicissitudes do comportamento humano condicionado pelos grilhões das regras não escritas que dão conta de convencer-nos da possibilidade de ser feliz encontrando “o par ideal”, o que gera ansiedade, entre outras coisas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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