Crítica
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Sinopse
Crítica
A porta de entrada para esta comédia, adaptada do livro homônimo de Tati Bernardi, é a linguagem ostensivamente pop. Enquanto Dani (Débora Falabella) narra seus primeiros casos de síndrome de pânico, em chave leve e divertida, a tela é tomada por letreiros explicativos, animações lúdicas, piadas velozes e cenários multicoloridos. A propósito de psicopatologias, a narrativa parece acometida pela síndrome de Amélie Poulain, devido à narração levemente autodepreciativa dos prazeres e medos da protagonista, em tom saturado de verde-bile, enquanto a imagem explora os olhos curiosos de Falabella e da atriz que a interpreta durante a juventude. Acrescentando a metáfora das bolinhas de gude, o filme se abre com uma curiosa aplicação da linguagem teen aos problemas da vida adulta.
Pelo menos, se o procedimento infantiliza um pouco as ferramentas do cinema, ele aborda com respeito o sofrimento psíquico vivido pela protagonista. Além dos ataques de pânico, ela sofre com distúrbios mais amplos relacionados à ansiedade e baixa autoestima, o que prejudica tanto o trabalho de escritora quanto os relacionamentos afetivos e a relação passivo-agressiva com a mãe. Depois a Louca Sou Eu começa a destrinchar, por meio do olhar satírico, todas as terapias mais ou menos profissionais, da psicologia ao misticismo. A direção oferece um ponto de vista externo – Dani tem contato com estas práticas pela primeira vez -, o que facilita a tarefa de identificação com o público médio. Independentemente da familiaridade com os procedimentos da psicanálise ou da constelação, ou de ser capaz de distinguir os efeitos do Rivotril e do Dramin, o público perceberá o coquetel de opções à disposição de adultos em sofrimento.
A narrativa busca um equilíbrio interessante entre vangloriar os benfeitos dos remédios e criticá-los por completo. Cada solução tragicômica encontrada por Dani fornece diversas vantagens em conjunção com efeitos colaterais graves, como a dificuldade de atingir o orgasmo. Depois de tantas representações pudicas do sexo no cinema popular (pessoas se beijando e, corte, acordando cobertas até o pescoço no dia seguinte), o filme propõe um olhar mais adulto ao sexo e ao prazer de homens e mulheres. A diretora Júlia Rezende nem fetichiza a nudez de seu elenco, nem a oculta para fins de classificação etária. É um prazer ver a nudez feminina tratada da mesma maneira que a nudez masculina, provável decorrência de ter uma diretora mulher por trás da câmera, além de um material de autoria feminina.
Ao mesmo tempo, Rezende impressiona pela tradução acessível de conceitos não imagéticos como a angústia e a ansiedade. O encontro da personagem com traumas passados numa rua vazia e os delírios diurnos (a cena do engarrafamento) podem soar exageradas para fins cômicos, porém representam bem a falta de controle de Dani em relação a seu corpo, seus desejos e pensamentos. Numa época em que o tratamento psicológico ainda é visto como remédio para “loucos” (vide a brincadeira do título), o projeto trata de complexificar o léxico e os conceitos por trás de tantas sensações. Felizmente, o filme conta com uma atriz excelente no papel principal: Débora Falabella se adequa muitíssimo bem ao humor autodepreciativo, porém ainda carinhoso. Ela varia da construção naturalista à composição exagerada, sem apostar no histrionismo como única forma de comicidade possível. É justamente nesta variação emocional que se encontra a empatia com a personagem.
Talvez a abordagem dos conflitos de uma garota branca de classe média-alta, que adora termos em inglês, cujos problemas dizem respeito apenas a si mesma e sua capacidade de superação (não há entraves financeiros ou sociais envolvidos), pudesse soar alienante para o público. No entanto, Dani deve provocar identificação pelo retrato bem-humorado das mães superprotetoras, namorados abusivos e talk shows superficiais na televisão. O filme poderia ir muito além, ao descrever a profissão de artista (ou seja, destrinchar a função terapêutica e o esforço envolvidos no ato de escrever), no entanto os livros de Dani aparecem prontos como mágica. O fato de a personagem visar a adaptação cinematográfica de suas obras tampouco estabelece uma relação frutífera com o óbvio fato de Depois a Louca Sou Eu ser uma adaptação literária ao cinema. Rezende abandona as complexidades da metalinguagem em prol de uma leve jornada de autoconhecimento, na qual o principal intuito parece ser a desmistificação dos distúrbios psicológicos.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.
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