Crítica
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Sinopse
Crítica
Há um permanente olhar de otimismo na obra do japonês Hirokazu Koreeda. Ainda que lidem com as atribulações da existência humana - morte, separação, desilusão - seus filmes invariavelmente carregam traços de esperança, se não numa transformação completa, ao menos na possibilidade de encontrar a felicidade em meio às adversidades. Em Depois da Tempestade, essa visão de mundo de Koreeda pode ser novamente observada, na trama que acompanha Ryota (Abe Hiroshi), um escritor em crise criativa desde o lançamento de seu premiado romance de estreia, e que hoje trabalha como detetive particular, supostamente pesquisando material para um novo livro. Lidando com a recente morte do pai, com o divórcio e com seu vício em apostas, Ryota busca se reaproximar do filho, Shingo (Taiyô Yoshizawa), que vive com a mãe, Kyoko (Yôko Maki).
Como de costume, o núcleo familiar domina o drama retratado por Koreeda com seu estilo sutil e contemplativo – visto em trabalhos, como O Que Eu Mais Desejo (2011), Pais e Filhos (2013) e Nossa Irmã Mais Nova (2015) -, seguindo a tradição cinematográfica japonesa de abordar o conflito de gerações. Em quase todos os filmes, o grande dilema enfrentado pelos protagonistas de Koreeda é o da negação do modelo dos pais, que se apresenta paralelamente à obrigação de servir como modelo aos próprios filhos. Ryota não foge dessa regra, relembrando a relação conturbada com o pai recém-falecido e sentindo o fracasso por não poder se manter próximo a Shingo. A angústia de não conseguir ser aquilo que realmente deseja é outro tema caro ao diretor, materializado não só na frustração artística de Ryota, como no sentimento de sua mãe, Yoshiko (Kiki Kirin). Ainda que se vejam diferentes, há elementos que unem pais e filhos em Depois da Tempestade, sejam eles concretos, como o gosto pelos jogos de azar, ou simbólicos, como na delicada cena em que Ryota veste uma camisa do pai. É justamente nessa capacidade de extrair o lirismo da simplicidade que reside um dos grandes méritos do cinema de Koreeda. O poder da singeleza é sentido já na cena inicial, no diálogo entre Yoshiko e a filha, irmã de Ryota, enquanto cozinham. A leveza bem-humorada das observações sobre a vida feitas pelas duas estabelece o tom mantido ao longo de toda a projeção, além de reafirmar a importância da gastronomia na cultura japonesa. O preparo da comida e o ato das refeições em si surgem como momentos de comunhão quase sagrados.
Mas, acima de tudo, Koreeda possui a virtude da honestidade, pois trabalha abertamente a emotividade de sua narrativa sem, contudo, ser maniqueísta. Por mais leve que seja o tratamento dado às situações e aos personagens, eles sempre soam reais e sólidos, gerando empatia imediata. As figuras que habitam o universo do cineasta nunca são levianamente vilanizadas ou exaltadas, pois todos possuem falhas e atributos na mesma medida, expostos de modo claro. Isso os torna tão humanos. Ryota é sem dúvidas o maior exemplo dessa construção de caráter, pois seus defeitos são evidentes – ainda que o próprio não seja consciente de todos, como quando cita o fato da maioria dos clientes da agência serem homens desconfiados de traições das esposas, acusando-os de uma insegurança que ele mesmo possui. Ainda que os personagens evoluam ao longo da trama, Koreeda não propõe uma redenção transformadora e súbita. Algumas arestas são aparadas, mas, para o cineasta, as pessoas devem aceitar e aprender a conviver com essas falhas, como ocorre com Shingo, que admira e deseja estreitar a relação com pai, mesmo que todos a sua volta o tenham como um perdedor. Afinal, essa é a natureza do garoto, que no jogo de baseball prefere se sacrificar para garantir uma base a tentar um home run somente para ser o herói. Todas essas camadas são potencializadas pelo registro econômico e rigoroso, sem arroubos estéticos, do diretor, com seus planos estáticos e edição precisa – influência de mestres como Naruse e Ozu – valorizando a arquitetura dos espaços, em convergência com o trabalho dos atores, na construção dramática dos personagens.
A estatura elevada Ryota, por exemplo, é utilizada para evidenciar seu senso de desequilíbrio, sempre se abaixando para passar por portas ou se encolhendo na banheira, como se não encontrasse seu real espaço no mundo. A exemplar composição de Abe Hiroshi é acompanhada pelo resto do elenco, com destaque para a magnífica Kiki Kirin, que toma conta de todas as suas cenas, seja com o humor alternando entre o sarcástico e o ingênuo – como a sequência do sorvete caseiro – ou nos momentos mais emotivos, como o do tocante diálogo com a ex-nora. Cena essa que ocorre no último ato, quando Koreeda utiliza a tempestade do título tanto em seu aspecto metafórico (a tormenta de sentimentos) quanto concreto (os furacões que atingem o Japão) para unir os personagens. Presos no apartamento de Yoshiko por conta do mau tempo, eles passam a rever seu passado para projetar um futuro diferente. Algo que o diretor faz sem apresentar reconciliações sentimentalistas, encaminhando o longa para um desfecho que condiz com sua já citada honestidade. Pois Koreeda sabe que aquilo que é reconstruído após um furacão nunca volta a ser exatamente como em sua forma original, e que seguir convivendo com tais mudanças não só é possível, como necessário.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Leonardo Ribeiro | 9 |
Chico Fireman | 7 |
Daniel Oliveira | 8 |
Ailton Monteiro | 7 |
MÉDIA | 7.8 |
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