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Crítica


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14 votos 7.2

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Sinopse

Isabel é uma jovem artista plástica que resolve largar tudo para tentar uma nova vida na Croácia. Depois de cinco anos morando no país balcânico, ela sofre um grande trauma. Nesse momento, Isabel conhece um homem.

Crítica

As primeiras cenas de Depois de Ser Cinza (2020) resumem a abordagem deste drama. Por um lado, o mergulho de Raul (João Campos) no mar transmite a impressão de prazer e descontração. Por outro lado, o personagem está vestindo uma calça jeans, razão pela qual a mesma cena poderia ser lida enquanto afogamento. A partir deste início, os registros do afeto serão combinados com a estranheza e o desconforto. O road movie costuma ser o gênero da conciliação, onde pessoas diferentes apresentam suas singularidades e aprendem a conviver, descobrindo um lado melhor de si próprias após o contato com o outro. No entanto, quando Raul e Isabel (Elisa Volpatto) se aventuram pelas estradas da Croácia, a interação da dupla de desconhecidos não tem nada de divertido. Muito pelo contrário, ambos parecem segurar o choro na garganta. Os encontros serão benéficos, porém não restauradores. O diretor Eduardo Wannmacher atenua o otimismo forçado deste tipo de cinema para privilegiar uma narrativa de pessoas deprimidas, carregando segredos ou insatisfações crônicas.

Em virtude do flerte com a morte, o tom da direção se apoia no drama clássico. O quarteto, composto ainda por Suzy (Branca Messina) e Manuela (Sílvia Lourenço), é atravessado pelas constantes ideias de fuga, abandono e suicídio. Trata-se de uma esquerda desesperançada, o que estabelece um contato frutífero com a intelectualidade progressista pós-2018 no Brasil. Os protagonistas dominam a psicologia, a filosofia e as ciências sociais, porém se sentem vazios após noites de sexo casual, ou se sentem incapazes de contarem a um anônimo os motivos de sua viagem a um país estrangeiro. O belo trabalho de trilha sonora, atmosférica sem soar invasiva demais (algo raro para um gênero tão propenso ao sentimentalismo) em conjunção com a duração contemplativa dos planos reforça a construção de uma obra onde as dores dos personagens importam mais do que as reviravoltas experimentadas por eles. Toma-se o tempo de observá-los admirando o horizonte, abraçando-se na sacada de um apartamento, estranhando-se após uma tentativa frustrada de sexo. Apesar de oferecer algumas cenas de “sexo com roupa”, sempre estranho dentro do cinema intimista, o filme logo apresenta corpos com naturalidade, em especial na segunda metade.

O principal mérito de Depois de Ser Cinza se encontra no elenco. Em primeiro lugar, trata-se de um grupo coeso em registro de atuação, fruto do talento do cineasta na condução do material humano. Além disso, o grupo possui um traquejo excepcional para diálogos: presencia-se com prazer as brincadeiras de Branca Messina com o texto, a entonação e o sotaque impecáveis de Sílvia Lourenço, a dicção meio internalizada de João Campos no papel do jovem incapaz de dizer o que sente. Embora a maquiagem exagere na composição de Isabel, Elisa Volpatto se presta com desenvoltura à sequência na Croácia, misturando a língua local com uma composição agressiva que poderia cair facilmente na caricatura. Não é difícil imaginar este texto resultando empolado na embocadura de outro elenco. Há visível prazer, tanto dos atores quanto do diretor, em investir no jogo cênico. Quando a construção estética aparenta simples demais (vide os instantes no apartamento de Manuela), existem conflitos suficientes para sustentar o interesse. A direção de fotografia, muito discreta, pode ser interpretada enquanto gesto de humildade (colocando-se a serviço dos atores) ou enquanto uso pouco expressivo das luzes, sobretudo em interiores. Entretanto, nunca chama atenção negativamente para os planos.

Qualidades à parte, resta a constatação de que a dinâmica à la Todas as Mulheres do Mundo (1966) se adapta com dificuldade ao cinema do século XXI. A noção do rapaz de bom coração que se relaciona sexualmente com todas as mulheres relevantes para a trama transparece o fetiche masculino pela conquista. Na primeira metade, as duplas (Raul com Isabel, Raul com Suzy e Raul com Manuela) se cruzam com habilidade, graças à ótima montagem que permite encontrar um tempo próprio aos sentimentos amorosos, sobrepondo-se à cronologia dos fatos. No entanto, rumo ao final, acentua-se a inevitabilidade de aproximar romanticamente o herói de cada uma delas. Sugere-se que o protagonismo compartilhado entre os quatro converge ao olhar masculino, visto que o estudante constitui o ponto em torno do qual todas as mulheres orbitam. As cenas da psicoterapeuta com a mãe representam bela possibilidade de abertura à construção das mulheres sem o condicionamento da presença masculina. No entanto, estes instantes são raros para Suzy e Isabel.

Resta um competente trabalho de delicadezas, esforçando-se para fugir aos clichês do melodrama, do erotismo e do imaginário da depressão. Nem todas as passagens são bem resolvidas pelo roteiro, sobretudo quando aceleram os romances e diminuem seu grau de realismo. Em contrapartida, percebe-se a atenção às poesias, presentes em pequenos objetos interligados como o isqueiro (o fogo, no caso) contraposto ao peso das águas (mar e piscina) na vida do quarteto. Além disso, a função dos coadjuvantes poderia ter repartição mais orgânica (a narrativa sobrecarrega o personagem de Márcio Reolon, onipresente entre os amigos). Ressalvas à parte, Wannmacher comprova o potencial para produções futuras. É muito mais difícil acrescentar humanismo e fluidez aos diretores engessados do que refinar a forma de diretores dotados de manejo tão natural com o elenco. Os próximos grupos de personagens desenvolvidos pelo autor – quem sabe, por um ponto de vista feminino, mais diversificado em termos de sentimentos e classes sociais – podem alcançar uma potência cinematográfica ainda maior.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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